Discurso do Ministro Celso Amorim, no seguimento do fracasso da reunião do G-6 (lídres do processo de negociações comerciais multilaterais da Rodada de Doha), na OMC, em Genebra, em 24 de julho de 2006:
Senhor Presidente,
Há exatamente uma semana, em São Petersburgo, na segunda-feira, dia 17 de julho, os líderes dos países do G-8 reuniram-se com os Chefes de Estado e de Governo de cinco países em desenvolvimento, além do Presidente da União Africana. Naquela ocasião, os líderes reforçaram seu compromisso com uma conclusão bem sucedida da Rodada do Desenvolvimento de Doha. Em seguida, os ministros do G-6 se dirigiram a Genebra com mandatos que deveriam permitir superar as diferenças entre as posições negociadoras.
Os ministros do G-6 reuniram-se ontem. Nós todos conhecemos qual o resultado daquela reunião. Esse resultado é profundamente perturbador. A flexibilidade anunciada pelos líderes em São Petersburgo não se materializou. Em menos de 24 horas, as discussões do G-6 terminaram com um impasse.
Tal fracasso causa perplexidade, para dizer o mínimo. Há somente uma explicação possível para um colapso tão rápido e categórico: não havia vontade política.
O presidente Lula indicou em São Petersburgo que a liderança não é necessária em épocas de paz. A liderança é necessária nos períodos de crise. Temos uma enorme crise diante de nós e não temos liderança clara.
Agora, não basta dizer que não apreciamos o que está sobre a mesa. Não basta minimizar perdas e bater em retirada. Não basta responsabilizar outros, acusando-os de falta de flexibilidade, nem nos escondermos atrás de nossas próprias limitações internas. Este é o momento para a verdadeira liderança emergir, imaginando soluções criativas, aceitando os custos de reforma e engajando-se no processo negociador.
O sistema multilateral de comércio da OMC está enfrentando a crise mais grave desde seu estabelecimento. Podemos contemplar passivamente a erosão progressiva de sua credibilidade e legitimidade. Podemos igualmente tomar a decisão de persistir, não aceitar o fracasso. Podemos reconhecer que milhões de vidas no mundo inteiro, especialmente nos países em desenvolvimento, podem ser melhoradas em conseqüência desta Rodada do desenvolvimento. O Brasil certamente escolhe essa segunda opção.
Foram necessários quase 60 anos para que o termo "desenvolvimento" aparecesse no título de uma rodada. O acordo do GATT de 1947 não menciona sequer a palavra "desenvolvimento" em seu preâmbulo. Não podemos falhar diante do desafio de reformar o sistema multilateral de comércio, de fazê-lo mais responsivo às necessidades dos pobres e de remover as distorções que terminam por promover a exportação da miséria e da desesperança.
Mas para persistir, para manter viva a Agenda de Doha, devemos escolher com cuidado caminho à frente. Primeiramente, devemos ajustar nossas expectativas para a retomada das negociações no futuro próximo, não no distante. O tempo não joga em nosso favor.
Em segundo lugar, nós não podemos recuar. Esta deve ser uma pausa para refletir sobre enfoques criativos e sobre como conferir o ímpeto político necessário para prosseguir. Acima de tudo, isso não deve ser usado como desculpa para reduzir o nível de ambição da Rodada. Qualquer "manobra fácil” somente se daria às custas dos países em desenvolvimento. O Brasil e seus parceiros do G-20 não seguirão esse trajeto e estarão
vigilantes para que outros não sintam que esta é uma opção viável.
Devemos reter os textos e os mandatos atuais, tudo o que está na mesa. É o resultado de trabalho duro e doloroso, e constitui uma base sólida para negociações futuras. O que necessitamos é de flexibilidade dentro da estrutura existente; não necessitamos negociar uma base inteiramente nova para negociações.
Os membros devem continuar engajados nas discussões sobre como avançar o processo. Tais conversas podem acontecer em diversos formatos e modos: bilaterais, plurilaterais e multilaterais; em Genebra ou em outro lugar. Nós devemos refletir sobre possíveis soluções e avanços nas negociações. Os enfoques incrementais não serão suficientes, mas tampouco há espaço para demandas irrazoáveis que negligenciam inteiramente as realidades dos outros parceiros.
Os membros devem continuar o trabalho em todos os níveis. Brasil, por exemplo, continuará a estimular as discussões dentro do G-20, do NAMA-11, do Grupo de Cairns, e em todos os outros fóruns em que participamos. Não teríamos chegado tão longe nesta Rodada do Desenvolvimento sem a contribuição de grupos como o G-20, que sempre tabulou propostas tecnicamente sólidas, politicamente realistas e legítimas. O trabalho do G-20 continuará direcionado no sentido de uma convergência possível, que seja equilibrada, ambiciosa e voltada ao desenvolvimento.
O Diretor-Geral tem um papel crucial em manter o processo em movimento, mas nós também temos essa função. Este é um processo dirigido por membros em uma organização dirigida por membros. A sobrevivência da rodada do desenvolvimento depende de nós.
A Agenda de Doha não está limitada a negociações comerciais. Ela engloba questões como a luta contra a fome e a pobreza, governança política, segurança e desenvolvimento econômico com justiça social. Estes são elementos essenciais para a paz, que transcendem esta Organização e são do interesse direto a outros Organismos, em particular as Nações Unidas. Talvez possamos considerar a possibilidade de incluir o Secretário-Geral Kofi Annan no esforço para conferir ímpeto político com vistas a superar os desafios que enfrentamos agora.
Muito obrigado.
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(original em inglês)
Notes for Minister Celso Amorim’s Statement
in the TNC meeting of the WTO
Geneva, 24 July 2006
Mister Chairman,
Precisely a week ago, in St. Petersburg, on Monday, July 17th, the leaders of the G8 countries met with Heads of State and Government of five developing countries, as well as the president of the African Union. In that meeting, leaders stressed their commitment to a successful conclusion of the Doha Development Agenda. Subsequently, the ministers of the G-6 countries flew to Geneva with mandates that should be able to bridge the existing negotiating gap.
The G-6 ministers met yesterday. We all know now what the result of that meeting was. This development is deeply disturbing. The flexibility announced by the leaders in St. Petersburg did not materialize. In less than 24 hours the G-6 discussions ended with an impasse.
Such failure is perplexing to say the least. There is only one possible explanation for such a swift and categorical breakdown: the political will was not there.
My President, President Lula, pointed out in St. Petersburg that leadership is not required in quiet times. Leadership is needed at times of crisis. We have a full-fledged life-sized crisis before us and we have no clear leadership.
At this time, it is not enough to say that we don’t like what we see on the negotiating table. It is not enough to cut losses and backpedal. It is not enough to blame others, underscoring their inflexibilities and hiding behind our own political constraints. It is time for true leadership to emerge, devising creative solutions, accepting the pain of reform, and engaging in the negotiating process.
The WTO multilateral trading system is facing the gravest crisis since its creation. We may well sit back and contemplate as its credibility and legitimacy progressively erodes. We may also decide to persist, not to give up. We may recognize that millions of lives around the world, especially in the developing countries, can be improved as a consequence of this Development Round. Brazil, for one, certainly chooses the second option.
It took almost 60 years for the term “Development” to appear in the title of a Round. The GATT 1947 does not even have the word “development” in its preamble. We cannot fail the hope of reforming the multilateral trading system, making it more responsive to the needs of the poor and removing distortions that end up exporting misery and hopelessness.
But to persist, to maintain the DDA alive, we must carefully choose the path forward. First, we must set our sights at the resumption of negotiations in the near, rather than remote, future. Time does not play in our favor.
Second, we cannot retreat. This must be a pause to reflect on creative approaches and on how to build up the necessary political impetus to move forward. Above all, this must not be used as an excuse to lower the level of ambition of the Development Agenda. Any deceptive “easy way out” can only happen at the expense of the developing countries. Brazil and its G-20 partners will not tread this path and will be vigilant, so that others don’t feel that this is a viable option.
We must retain the current texts and mandates, and what is on the table. They are the result of hard and painful work and constitute a sound basis for future negotiations. What we need is flexibility within the existing framework; we do not need to negotiate an entirely new foundation for negotiations.
Members must continue to engage in talks about how to move the process forward. Such talks may happen in several different formats and shapes: bilaterals, plurilaterals, and multilaterals; in Geneva or elsewhere. We must ponder on possible negotiating avenues and breakthroughs. Incremental approaches will not suffice, but neither do we have room for unreasonable demands that entirely disregard the realities of the other players.
Members must continue work at all levels. Brazil, for example, will continue to stimulate discussions within the G-20, NAMA-11, Cairns Group, and in any other forum we participate. We wouldn’t have come so far in this Development Agenda without the contribution of Groups like the G-20, which always tabled proposals that were technically sound, politically realistic, and legitimate. The work of the G-20 will continue to be in the direction of a possible convergence that is balanced, ambitious, and development oriented.
The Director-General has a crucial role in keeping the process moving, but so do we. This is a Member driven process in a Member driven Organization. The survival of the Development Agenda depends on us.
The DDA is not limited to trade issues. It touches upon issues like the fight against hunger and poverty, political governance, world security, and economic development with social justice. These are essential elements for peace, which transcends this particular Organization and is of direct concern to the international system as a whole. We may want to consider the possibility of engaging Secretary-General Kofi Annan in the gathering of political momentum to overcome the challenges we now face.
Thank you.
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Um comentário:
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Best regards!
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