sábado, novembro 17, 2007

276) Republica Sindical

Mamata sindical
SÉRGIO PARDELLAS
Isto É, nr. 1985
12/11/2007

Centrais promovem confusão no Congresso para manter o imposto sindical, mas não querem prestar contas do dinheiro que recebem

Um fenômeno semelhante ao que ocorreu na Argentina na década de 50, quando a cúpula sindical compartilhou o poder com Juan Domingo Perón, está se repetindo no Brasil sob o governo petista. Com Lula no poder, ascendeu ao aparelho do Estado uma espécie de “aristocracia sindical” que no passado tinha de acordar cedo e panfletar em porta de fábrica. Estima-se que hoje as duas principais centrais sindicais do País, a CUT e a Força Sindical – que até há bem pouco tempo eram rivais –, sejam donas de 1,5 mil cargos de confiança no governo federal, a maioria deles ligada aos Ministérios da Previdência e do Trabalho. Essas pastas são controladas, respectivamente, pelo ex-presidente da CUT, Luiz Marinho, e pelo atual presidente do PDT, Carlos Lupi, ligado à Força. O pior é que o acesso ao poder e ao dinheiro fez com que algumas lideranças sindicais esquecessem suas bandeiras históricas. A CUT, que nasceu em 1983 vociferando contra a obrigatoriedade do imposto sindical, juntou- se agora à Força para aumentar o quinhão que lhe cabe do montante que é cobrado dos trabalhadores e das empresas. Além do que é destinado aos sindicatos pelo imposto sindical (R$ 780 milhões este ano), as entidades querem abocanhar mais 10% do total arrecadado para as centrais sindicais.

Há duas semanas, tudo parecia correr de acordo com os planos das centrais. A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 1990/07, que repassa metade da arrecadação com a contribuição sindical destinada ao governo federal (20%) para as principais centrais. Mas entrou areia no plano combinado. No dia 17 de outubro, na sessão final do plenário da Câmara, foi aprovada a emenda do deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), que torna facultativa a contribuição sindical. Ora, criar um repasse às centrais sem manter a obrigatoriedade do pagamento do imposto é asfixiar o fluxo da dinheirama sindical. Daí a chiadeira generalizada. “É golpe”, esperneou o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical. “O que foi aprovado não reflete o que foi acordado”, disse o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos. A proposta ainda precisa ser aprovada no Senado e tudo indica que a emenda do parlamentar do PPS deverá mesmo cair.

O relator da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) na Casa, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), deu sinais de que irá emitir parecer contrário. “Não se pode, no mês de novembro, tirar uma receita a partir do ano que vem. Todos os sindicatos já fizeram suas previsões”, ponderou Dornelles, que defende uma redução gradativa da contribuição. Mas o episódio serviu para expor a caixa-preta que é a arrecadação do sistema sindical no País e a vida nababesca dos principais dirigentes de sindicatos.

Instituído por Getúlio Vargas nos anos 30 e mantido até hoje, o imposto é cobrado compulsoriamente de todos os trabalhadores com carteira assinada e corresponde ao valor de um dia de salário por ano. O dinheiro arrecadado – cerca de R$ 1,3 bilhão em 2007 – é dividido entre sindicatos (60%), confederações nacionais (5%), federações estaduais (15%) e Ministério do Trabalho (20%). A maior parte desse imposto – R$ 754 milhões este ano – saiu do bolso dos empregados, o restante – R$ 504 milhões em 2007 – saiu das empresas e dos autônomos. De acordo com cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, a mudança vai gerar em 2008 um reforço em caixa de R$ 81 milhões para as centrais, valor que pode chegar a R$ 94 milhões em 2009 e R$ 103 milhões em 2010. “Sem o imposto, as centrais sindicais correm o risco, inclusive, de deixar de existir. Tanto tempo em luta, desde 1930, para que fossem regularizadas, e agora aprovam um absurdo desses”, reclama Paulinho da Força.

Mas imaginar que o aumento da riqueza dos sindicatos e centrais garanta por si só uma defesa mais efetiva dos trabalhadores é um erro crasso. Novamente, a Argentina é um bom exemplo. Até pouco tempo atrás, quase a totalidade dos dirigentes das principais centrais sindicais do país vizinho vivia em mansões, tinha casas de praia e viajava para o exterior com a família pelo menos duas vezes por ano. Ao mesmo tempo, no entanto, os sindicatos começaram a perder sua importância política na sociedade. No Brasil, essa história também parece estar se repetindo. Um caso emblemático é o de um dos diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil Pesada, que representa peões de obra, Antonio Bekeredjian. O sindicalista, conhecido como Toninho, leva uma vida equiparável à de executivos de grandes empresas. Ele desembarca no trabalho a bordo de um Mercedes-Benz e tem registrado em seu nome um apartamento no Condomínio Velden Village, em Campos do Jordão, de 190 metros quadrados, avaliado em R$ 500 mil. Outro exemplo é Almir Macedo Pereira. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte de Carga Própria de São Paulo, Pereira está erguendo uma casa de três andares na Serra da Cantareira, região que parece ser um sonho de consumo de sindicalistas, orçada em pelo menos R$ 300 mil. Procurados por ISTOÉ, Bekeredjian e Pereira não foram encontrados.

A Constituição de 1988 proibiu a interferência do Estado na vida financeira dos sindicatos. Afinal, vínhamos de uma ditadura que intervinha a torto e a direito nas organizações dos trabalhadores. Hoje, essa garantia é usada muitas vezes como blindagem contra tentativas de se investigar o uso irregular de recursos repassados aos sindicatos. A “aristocracia operária” é ciosa de seus privilégios. Na votação do projeto de repasse do imposto às centrais, a Câmara aprovou também outra emenda polêmica, essa de autoria do líder do PSDB na Câmara, Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP), que assegura ao TCU poderes para fiscalizar a aplicação do imposto. A CUT já se prepara para derrubar a proposta no Senado. “Os sindicatos não são órgãos do governo para serem fiscalizados”, argumenta o presidente da entidade. Bela contradição: os sindicalistas, que adoram fiscalizar empresas e brigar por seus direitos, odeiam prestar contas do dinheiro que tiram dos trabalhadores.

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