segunda-feira, abril 03, 2006

61) Que frase mais infeliz...

Que frase mais infeliz...

Paulo Roberto de Almeida

Depois de uma tremenda frase infeliz, o que mais posso fazer, me digam?
Me penitenciar, ajoelhar no milho, fornecer textos gratuitos de relações internacionais e de política externa do Brasil pelo resto da minha vida, dar consultoria de graça – o que aliás já faço, em bases informais – pelos próximos seis meses, fazer contrição, pedir remissão dos pecados, viajar a Canossa, arrastar uma pedra de Sísifo em alguma favela carioca, prometer comparecer, com despesas pagas por mim mesmo, a todos os encontros do ENERI, FENERI, ENEPRI, IRWI, ABRI, FECHA e outros mais, pelos próximos dez anos?
Pois é, estou tremendamente envergonhado – e até diria arrasado – pela frase transcrita abaixo, em letras garrafais – mais uma maneira de penitência – que nunca deveria ter sido pronunciada ou escrita:

"NÃO TENHO CERTEZA DE QUE ESSE SEJA O MELHOR CAMINHO PARA QUEM ASPIRA A SER ALGUMA COISA NA VIDA, POIS SE TRATA DE UMA ÁREA RELATIVAMENTE NOVA E NÃO SUFICIENTEMENTE "TESTADA" NOS MERCADOS DE TRABALHO"

(a matéria toda, para quem ainda não teve a oportunidade de ler, figura neste link: http://diplomaticas.blogspot.com/2006/03/303-os-novos-internacionalistas.html#links)

Sempre poderia alegar que a frase foi retirada do contexto, que fui mal interpretado, pedir que esqueçam o que eu escrevi (o que disse), que não era bem isso o que vocês e eu estamos pensando, que o repórter foi maldoso, que ele distorceu as minhas palavras, mais isso e mais aquilo, patati-patatá, mas isso não vai, obviamente, consertar o estrago já feito na minha reputação e na auto-estima dos estudantes de relações internacionais.

Sim, pois era deles que eu estava falando.
Minha única desculpa, a ser comprovada pelos que me conhecem, é, de verdade, o cansaço físico, depois de mais um desses dias extenuantes, quando somos assediados por gregos e goianos à procura de ajuda didática, o in-box lotado de dezenas de mensagens pedindo algo, e ainda vem o repórter querendo fechar a matéria “naquela quinta”, para o suplemento de fim de semana.
Fois apenas o cansaço físico, literal e lateral, que me fez perpetrar essa frase, da qual aliás sí vim “tomar conhecimento” depois que ela estava impressa no jornal – suplemento para “jovens e aborrecentes” FolhaTeen, da segunda-feira, 27 de março – e aí já não tinha mais volta. Juro que foi, mas isso não deve consertar o estrago do lado dos mais severos, cruéis e vingativos dos alunos que esperam um brilhante futuro pela frente com seus cursos de relações internacionais.
É evidente que se me fosse dado reler ou ouvir aquela mísera frase – selecionada entre dezenas de outras do material preparado para a matéria – eu não a teria “liberado”, pelo menos daquela forma.
E haveria alguma outra forma? Certamente que sim e, se me permite a indulgência dos que me leram até aqui, eu gostaria de explicar o que estava “por detrás do meu pensamento” – como diria algum gênio da língua – e que acabou saindo da forma mais arrevesada possível.

Explico, mas antes remeto ao conjunto de meus argumentos para que meus leitores possam constatar por si mesmos a “extensão” do meu “raciocínio” (palavra generosa, quando se está cansado e se pretende liquidar uma matéria o mais rapidamente possível). Os que desejarem ler essa peça singular, dotada de uma única frase atravessada, podem ver o trabalho “As relações internacionais como oportunidade profissional”, que está fracionado em cinco posts do meu blog “Cousas Diplomáticas” (começa por este link http://diplomaticas.blogspot.com/2006/03/282-as-relaes-internacionais-como.html#links e termina por este outro: http://diplomaticas.blogspot.com/2006/03/286-as-relaes-internacionais-como.html#links, sendo que a frase indigitada deve estar lá pelo meio).
Quem escreve demais, sempre corre o risco de dizer alguma besteira; aliás, deveria ter o direito de falar alguma bobagem de vez em quando, mas essa parece que foi forte e destroçou o coração de alguns idealistas e infundiu raiva nos corações de outros, mais implacáveis e pouco propensos a virtudes cristãs...

Pois bem, o que eu quis dizer com essa frase, se me permitem esta correção tardia e se aceitam meu pedido de complacência?

Antes de mais nada, caberia transcrever aqui, pelo menos, o trecho em questão, pergunta e começo de resposta (que depois segue para as condições de ingresso na carreira):

“4. Existe a discussão sobre a relevância do curso para quem quer seguir carreira diplomática. É mesmo o melhor caminho ou o primeiro passo para o Instituto Rio Branco e o Itamaraty?
PRA: Não tenho certeza de que este seja o melhor caminho para os indivíduos que aspiram a ser alguma coisa na vida, pois se trata de uma área relativamente nova, ainda não suficientemente “testada” nos mercados de trabalho. O que ocorreu, nos últimos anos, levado pelos ventos da globalização e da regionalização, foi um fenômeno “anormal” de expansão “geométrica” dos cursos de relações internacionais, provavelmente sem qualquer relação com a demanda efetiva do mercado. Havia uma demanda da parte dos jovens, atraídos pelo que parece ser um campo novo e talvez vasto – mas provavelmente não suficientemente “elástico” como o desejado pelos jovens – e as instituições privadas de ensino se encarregaram de satisfazer essa demanda por cursos de “aspecto” internacional.”

A despeito da crueldade da frase – “que aspiram ser alguma coisa na vida” – não pretendi com isso relegar ao limbo dos projetos gorados todo e qualquer curso de relações internacionais, ainda que muitos deles possam tropeçar em algum exame de qualidade da Consultoria Tabajara, nem quis com isso dizer que todo jovem que entra num desses cursos pode estar adentrando naquele quinto ou sexto círculo do inferno, de que falou conhecido visitante de paragens mais animadas no lago sul de Brasília.

Minha intenção foi, tão simplesmente, chamar a atenção para o caráter ainda precário, não de todo sedimentado, da maior parte desses cursos, Brasil afora, sendo que a maior parte do “supply-side economics” dessa história toda pode responder bem mais a um efeito de moda – não que ela seja passageira – do que a uma demanda real pelos provedores naturais de empregos nessa área. Como expliquei diversas vezes, a oferta de emprego nas áreas governamental e acadêmica será necessariamente limitada, o que deveria canalizar a maior parte dos egressos para o único setor que cria riquezas, que gera emprego e renda neste país (como em qualquer outro): o setor privado.
Como tentei explicar, os business executives não sabem lidar muito bem com esses certificados de conclusão de cursos de RI, pois estão mais acostumados com as tradicionais disciplinas de direito, economia e administração.
Ainda nos falta uma pesquisa de campo sobre o destino profissional dos – quantos mesmo?: algumas centenas, vários milhares? – egressos desses cursos, para poder determinar com precisão quantos, de fato, encontram-se trabalhando em áreas afins com seu objeto de estudo e suposta especialidade. Não creio, empiricamente chutando, que cheguem a 30% dos formados, o que alguns poderia alegar que já se trata de uma boa média, já que dos “zilhões” de “advogados” que se formam neste país, quantos, de verdade, encontram-se exercendo a profissão da qual receberam um canudo (mas nem sempre uma formação condigna)?

Pode ser que eu seja pessimista demais, que o campo é mais vasto do que sonha minha vã filosofia “realista”...
Pode ser. Não pretendo, em todo caso, abdicar de minha capacidade crítica, de certa experiência de vida, de um relativo tino observador no triângulo isóceles das oportunidades desiguais na academia, no goverrno e no setor privado, para edulcorar a realidade, criar esperanças indevidas em tantos jovens que buscam não apenas um emprego e um meio de vida, mas uma realização pessoal e uma satifação intelectual na futura atividade profissional.

Espero, ao terminar este humilde pedido de perdão, que todos aqueles que me conhecem, que adivinham ou que já tinham percebido minhas reais intenções, me tenham a esta altura perdoado, e que aqueles que ainda não o fizeram, possam ler, ou reler, atentamente minhas palavras para saber que meus argumentos não são, de modo geral, capciosos, enganosos ou depreciativos de sua formação e futura profissão.
Como sou um autodidata radical, e um contrarianista aprendiz, sempre estou achando que os indivíduos devem mesmo é contar consigo mesmos, e traçarem por si próprios sua formação e destino, medindo cuidadosamente cada passo escolhido no caminho. Aqueles que vivem de “mensalão” familiar até uma idade adulta talvez não meçam bem a distância entre os sonhos da juventude e as realidades do mercado de trabalho, mas aqueles que foram obrigados a combinar, desde muito cedo, trabalho e estudos, devem saber muito bem do que estou falando.

Desejo, sinceramente, a todos os jovens que estudam relações internacionais no Brasil, em quaisquer faculdades que sejam, muita felicidade nos estudos, muito sucesso na vida, e um pouco de sorte no futuro trajeto profissional. Mas desejo mais ainda que eles possam realizar seus sonhos tendo plena consciência de todas as implicações das escolhas feitas em momento talvez precoce de suas vidas.
Voilà, foi apenas com esta singela intenção que escrevi aquele longo trabalho, que tinha uma pedra no meio do caminho...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de abril de 2006

Um comentário:

Ivan Tiago Machado disse...

É professor, você foi mais uma vítima do corta-corta da imprensa.
Infelizmente, os caras acabam pegando as frases mais "complexas" para dar destaque...
Muitos de meus professores (da FCE/UFBA) já passaram por algo do tipo...a muitos não querem nem ver repórter pedindo pra fazer entrevista... cortam o essencial e divulgam alguma besteira...
Relaxe, acho que o pessoal de RI deve relevar o "erro" (sim, entre aspas porque não foi algo assim tão grave)
C´est la vie...
Abraços
Ivan Tiago