sábado, outubro 24, 2009

538) O dólar e o peso do governo (OESP)

O dólar e o peso do governo
EDITORIAL
O Estado de S. Paulo, 23/10/2009

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, terá de pensar em um novo expediente, se quiser promover a valorização do dólar para atender os exportadores. A cobrança de imposto sobre o capital estrangeiro produziu um impacto sensível no primeiro dia, terça-feira, quando a moeda americana subiu 2,1%, mas o efeito da medida parece ter-se dissipado. Mais de metade do aumento se perdeu nos dois dias seguintes. Nessa altura, o ministro Mantega já admitia a hipótese de outras iniciativas para levar o câmbio a um nível mais confortável para o produtor nacional. Líderes da indústria haviam aplaudido a cobrança de 2% do IOF nas aplicações de capital estrangeiro em ações e em papéis de renda fixa. Ninguém podia seriamente apostar num efeito duradouro dessa medida, mas até os mais otimistas devem ter-se decepcionado.

O ministro da Fazenda assumiu sozinho a responsabilidade pela tributação do capital estrangeiro. A diretoria do Banco Central não se envolveu na decisão e o ministro doPlanejamento, Paulo Bernardo, manteve uma cuidadosa distância do assunto. Na quarta-feira surgiu o primeiro sinal ostensivo de discordância no governo federal. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, mostrou ceticismo quanto à eficácia da medida para a correção do desajuste cambial. Chegou a arriscar uma profecia: a valorização do dólar poderia durar no máximo seis meses, provavelmente menos. A principal consequência da nova tributação, segundo ele, seria um aumento de arrecadação para o Tesouro, embora esse não fosse, oficialmente, o objetivo principal de Mantega.

Não se pode menosprezar a importância do câmbio para o comércio exterior, mas o ministro do Desenvolvimento acertou ao chamar a atenção para outros fatores mais importantes, a longo prazo, para a competitividade. A indústria, disse ele, deve investir em modernização e inovação para se tornar tão competitiva quanto a agricultura. A recomendação é correta, embora os empresários do agronegócio também se queixem da valorização do real. Além disso, os industriais não têm deixado de investir e seu esforço é geralmente reconhecido quando se divulgam as classificações internacionais de competitividade. O Brasil aparece geralmente em posição pouco honrosa, mas isso se deve, segundo os especialistas em competitividade, principalmente a fatores externos às fazendas e às indústrias.

Esses fatores são conhecidos dentro e fora do País e se costuma enfeixá-los na denominação genérica de "custo Brasil". A recomendação aos industriais para aumentarem os seus investimentos é desnecessária. Eles compraram quantidades apreciáveis de máquinas e equipamentos nos últimos anos e continuarão comprando, provavelmente, mas seus ganhos de produtividade e de poder de competição são limitados por fatores fora de seu controle, como as deficiências da infraestrutura, o peso excessivo da burocracia, o alto custo das obrigações trabalhistas e - é preciso sempre lembrar - impostos incompatíveis com uma economia aberta e diversificada.

Não falta dinheiro ao governo, mas falta com certeza eficiência ao gasto público. Mesmo quando não há desvios, muito recurso é desperdiçado por falta de foco e por inépcia gerencial. Além disso, o Orçamento federal é cada vez mais rígido, por causa do aumento constante da folha de salários e encargos. O aumento do custeio pode ser vantajoso para a sociedade, quando resulta, por exemplo, da construção de novas escolas ou hospitais (é preciso manter mais professores, médicos, enfermeiros e assim por diante). Mas esse não é o caso no Brasil. O custeio cada vez mais pesado para o contribuinte não corresponde, em geral, nem à ampliação dos serviços nem à elevação de sua qualidade. O peso do governo é cada vez mais, portanto, um entrave para a economia.

Um orçamento mais enxuto e mais bem administrado permitiria ao Banco Central operar com juros bem mais baixos. Assim se eliminaria um dos estímulos ao ingresso do capital especulativo e, portanto, um dos fatores de valorização cambial. Mas, se o governo fosse mais eficiente no uso do dinheiro público, outras condições de competitividade seriam preenchidas e o câmbio já seria um fator menos importante para a produção nacional, a exportação e a multiplicação de empregos.

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