sábado, outubro 31, 2009

545) Keynes e os "keynesianos" - Rubem de Freitas Novaes

Keynes e os “keynesianos”
Rubem de Freitas Novaes*
O Globo, 6 de março de 2009

A crise atual traz à baila idéias intervencionistas do economista inglês John Maynard Keynes, que, diante da depressão dos anos 30, se tornou crítico da Teoria Econômica Neoclássica, sustentáculo do pensamento liberal tradicional exposto por autores do calibre de Adam Smith, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman.
Muitos analistas, pessimistas com os rumos da economia mundial, hoje caracterizada pelo predomínio do Capitalismo e pela globalização dos mercados, parecem prever novos tempos em que regimes econômicos caminhariam no sentido da socialização dos meios de produção e do estreitamento do comércio internacional. Fazem-no buscando respaldo intelectual em Keynes, como se o mestre fosse um inimigo declarado do Capitalismo e do livre comércio. Convém, portanto, para melhor entendimento da questão, repassar alguns tópicos do pensamento econômico dos tempos em que foi escrita a famosa obra do mestre de Cambridge “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”:
Antes da publicação da “Teoria Geral” de Keynes, em 1936, prevalecia no corpo da doutrina econômica a idéia de que a “mão invisível” de Smith era bastante para resolver, não só questões de ajustamentos setoriais, mas também problemas de recessão. De início, acreditava-se que a “Lei de Say”, segundo a qual “a oferta cria sua própria demanda”, vigorava sempre. Mais tarde, diante da constatação da existência de ciclos de recessão e prosperidade (geralmente causados, é verdade, por imperícia dos governantes) , a Teoria Neoclássica passou a postular que, mesmo diante de uma queda da demanda global, bastaria a existência de plena flexibilidade de preços e salários para que os mercados se auto-corrigissem, evitando os males maiores de uma depressão.
A grande “sacada” de Keynes foi perceber que o bom funcionamento do regime capitalista depende de um fator até então muito pouco lembrado nas construções teóricas: a fundamental confiança entre os agentes econômicos. Instalada uma crise generalizada de confiança num momento ruim da economia - sem que se discuta o que a originou - a hipótese de flexibilidade de preços e salários seria insuficiente para garantir o retorno à normalidade, já que os mercados de moeda e crédito deixariam de funcionar adequadamente. Emissões primárias de base monetária comandariam um menor estoque de moeda, pela queda dos multiplicadores bancários, e o estoque de moeda existente comandaria uma menor demanda agregada, pela queda da velocidade de circulação monetária. Em outras palavras, bancos, indivíduos e empresas disporiam de recursos financeiros, mas não os movimentariam na velocidade desejada. Com isso, estaria configurada uma “armadilha da liquidez” (liquidity trap), modernamente chamada de “empoçamento” da moeda e do crédito, que obrigaria o Governo a agir do lado das despesas públicas para restabelecer um nível razoável de atividade econômica.
Neste ponto podemos introduzir a crítica de Milton Friedman, no sentido de que não seria necessário o aumento do dispêndio público para estimular a demanda agregada, bastando para tanto que se emitisse moeda até a desobstrução dos canais entupidos e que se reduzisse a carga tributária sobre indivíduos e empresas. Mas, ainda assim, permaneceriam válidos os pressupostos da política fiscal compensatória de Keynes que, lastreada numa bem maior propensão a gastar do setor público em períodos de crise de confiança, faz prever um significativo acréscimo na demanda global quando recursos são transferidos da população para as agências governamentais gastadoras.
Se Keynes e sua obra têm méritos indiscutíveis, o mesmo não pode ser dito de muitos de seus seguidores e dos que se apropriam e distorcem suas idéias. Duas categorias de “keynesianos” aqui se destacam: os que apontam falhas no funcionamento dos mercados para defender o ideário socialista e a classe de políticos e governantes que, sedenta de poder, procura respaldar-se no “rationale” oferecido pelo mestre inglês para justificar despesas direcionadas a grupos de interesse, empregar protegidos e criar organismos públicos geradores de “bons negócios”.
Pouco antes de sua morte, Lord Keynes dirigiu-se ao ultra liberal Hayek demonstrando abominar o credo socialista. Sua grande contribuição à Teoria Econômica foi feita com o intuito de fortalecer o Capitalismo, corrigindo, com medidas de caráter temporário, falhas do funcionamento dos mercados livres magnificadas em momentos de crise de confiança generalizada. Se vivo fosse, certamente estaria feliz com o retorno de seu nome às manchetes, mas amargurado com o mau uso que fazem de seus ensinamentos.

* O autor é economista formado pela UFRJ com doutorado (PhD) pela Universidade de Chicago. Foi Professor da EPGE/FGV, Presidente do SEBRAE e Diretor do BNDES.

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