quarta-feira, janeiro 04, 2006

21) 'Maldição do petróleo' mantém países pobres no atraso


Da revista The Economist
Transcrito no Jornal Valor Econômico, 04.01.06, pág. A7

Um encontro incomum ocorreu em outubro na igreja de St. Matthew, em Baltimore. Depois do sermão, alguns fiéis continuaram no local para ouvir dois emissários da África que iriam explicar os danos que o consumo excessivo de gasolina nos EUA provoca aos povos mais pobres em terras distantes. Um fiel de idade mais avançada levantou a mão. "Sei que a África é rica em diamantes, ouro e petróleo, mas as pessoas são muito pobres. Por que os governos são tão ruins na gestão dessa riqueza?". Austin Onuoha, um ativista pelos direitos humanos na Nigéria, sorriu. "Você tocou no ponto principal."

No que se refere ao desperdício de riquezas e aos problemas que assolam os países pobres, mas ricos em recursos naturais, sobretudo petróleo, há muito para se culpar. Economistas observam que tais países tendem a se sair mal. Em estudo de 1995, Jeffrey Sachs, agora na Columbia University, em Nova York, mostrou que os países ricos em recursos crescem mais lentamente que outros países pobres - mesmo levando-se em conta variáveis como renda per capita inicial e políticas comerciais.

A explicação tradicional para isso é a "doença holandesa", nome dado às privações enfrentadas pela Holanda depois de ter descoberto gás no Mar do Norte. Quando um país encontra hidrocarbonetos, um fluxo repentino de receitas em dólar freqüentemente leva a uma forte valorização da moeda local. Isso tendo a tornar os setores não-petrolíferos, como agricultura e indústria, menos competitivos nos mercados mundiais, o que leva o petróleo a dominar a economia.

Alguns especialistas vêm oferecendo soluções para os aspectos econômicos dessa "maldição do petróleo" há algum tempo. Alguns governos promoveram políticas de "estabilização": quando os preços do petróleo estão altos, as receitas são reservadas; quando os preços caem os governos usam esses fundos para amortecer o golpe. Uma idéia parecida é colocar parte dos recursos em "fundos para o futuro". Na teoria, não apenas ajudariam a distribuir a riqueza por várias gerações, mas evitariam a sobrevalorização da moeda local. Alguns países até cedem parte das receitas com petróleo diretamente para cada família, assegurando, portanto, que as pessoas comuns possam ver benefícios tangíveis.

Em princípio, são boas idéias e nos países desenvolvidos funcionam até certa medida. Autoridades em províncias ricas em petróleo como Alberta, no Canadá, e Alasca, nos EUA, estão transferindo quantias de dinheiro para as famílias locais. Mas as acusações de desperdício nos gastos públicos e de favorecimento irregular transbordam por todos os lados. Já foi sugerido que o novo governo iraquiano entregasse o dinheiro obtido com petróleo para seus cidadãos, mas fazer isso em um país no qual os empobrecidos não têm conta bancária seria complicado.

A Noruega possui um fundo de petróleo que freqüentemente é apontado como modelo para os países em desenvolvimento. Ainda assim, até os virtuosos noruegueses vêm usando o fundo para causas politicamente populares.

Em países em desenvolvimento, esse tipo de prática é regra em vez de exceção. A Zâmbia criou um programa de estabilização para administrar as exportações de minerais; mas, quando os preços subiram nos anos 70, o governo o abandonou - e anos de sofrimento se seguiram quando os preços voltaram a cair. A Venezuela formou um fundo para uso futuro em 1974, mas logo começou a utilizá-lo. Uma orgia de investimentos públicos deixou o país com projetos que eram uma manada de elefantes brancos, além de terem provocado uma dívida externa gigantesca e o declínio nos gastos sociais.

Michael Ross, da Universidade da California, em Los Angeles, diz que países ricos em petróleo fazem menos para ajudar os pobres do que as nações sem o recurso natural. Segundo ele, países com petróleo e minerais têm piores taxas de desnutrição e mortalidade infantil, analfabetismo e inscrição escolar. Também ocupam piores posições no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU.

Por quê? A economia tem algumas respostas. Ao contrário da agricultura, o setor petrolífero emprega pouca mão-de-obra que não seja capacitada. A volatilidade dos preços das commodities prejudica mais aos pobres, já que são os que têm menos condições de proteger-se contra esses riscos. E, como os recursos são concentrados, a riqueza é transmitida só para algumas mãos - sendo, portanto, mais suscetível a ser mal direcionada.

Esse direcionamento aponta para outra explicação da maldição do petróleo que está ganhando mais força: a política. Como o dinheiro do petróleo normalmente vai direto para os ditadores africanos, os governos têm pouca necessidade em elevar os impostos. Arvind Subramanian, do FMI, argumenta que tais ditadores não têm incentivos para desenvolver fontes de riqueza fora do setor de petróleo, enquanto os tiranizados (mas, livres de impostos) têm poucos incentivos para cobrar os tiranos.

Alguns dizem que o Golfo Pérsico escapou dessa maldição do petróleo. É verdade, o acesso à saúde e educação na região melhorou. E alguns países, como Catar e os Emirados Árabes Unidos, vêm tentando diversificar suas economias.

Mas um estudo de Subramanian sugere que o petróleo enfraqueceu as instituições democráticas. Rachel Bronson, do Conselho de Relações Externas, mostra exemplos de como a região era antes do petróleo. Quando a família saudita governante precisava de mais receitas com impostos, consultava as classes comerciantes, de forma que havia alguma moderada participação democrática. A chegada da riqueza do petróleo, argumenta, acabou com o poder dos comerciantes e a família real limitou os aspectos democráticos.

Outro recente argumento de ordem política é que os recursos alimentam guerras civis. Uma análise de Paul Collier, da Oxford University, sugere que para qualquer período aleatório de cinco anos, as chances de uma guerra civil em países africanos são de 1% em países sem recursos naturais e de quase 25% em países com riquezas.

Subramanian conclui que fatores como a "doença holandesa" e a corrupção não explicam a maldição do petróleo. Ele diz que o problema são as instituições fracas. George Soros, o investidor que criou instituições de caridade para abordar essa questão, concorda.

A boa notícia é que algumas iniciativas internacionais começam a jogar um pouco de luz no sombrio negócio do petróleo. Tony Blair está promovendo a Iniciativa pela Transparência nas Indústrias de Extração (Eiti), um programa voluntário que envolve governos e grandes petrolíferas. Soros apóia a campanha "Publique o que paga", que pede a divulgação mais transparente sobre o valor pago pelas empresas extrativas aos governos dos países onde estão os recursos. Até grandes petrolíferas acusadas de subornar ditadores estão se juntando à onda de transparência.

Até que ponto a transparência pode ir? Sachs não vê razão para que os contratos petrolíferos dos governos continuem sendo sigilosos. As empresas e os governos normalmente adotam um silêncio conspiratório sobre os termos contratuais. Mas a situação mudou. Grandes petrolíferas ocidentais começam a ver como inevitável ou até desejável uma maior transparência, o que não ocorre com as estatais petrolíferas da China e Índia.

Analistas acreditam que esse movimento do petróleo se repetirá com outros recursos naturais. A pressão por transparência está levando a pedidos semelhantes nos setores de energia, água e construção. Se essas pressões realmente continuarem fortes, os recursos naturais poderão tornar-se o que deveriam ser para os povos mais pobres do mundo: uma bênção.

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