domingo, janeiro 08, 2006

27) Educação e desenvolvimento


Transcrevo abaixo o artigo do ex-ministro da Fazenda (gestão Sarney), publicado hoje (08/01/2006) no jornal O Estado de São Paulo.

Educação e desenvolvimento
Maílson da Nóbrega

A perda de dinamismo da economia brasileira tem como principal causa, a meu ver, a Constituição de 1988, que adotou os já então carcomidos ideais estatistas do nacional-desenvolvimentismo, concedeu incríveis benefícios a aposentados e funcionários públicos, e elevou as vinculações de receitas. O resultado foi a explosão do gasto público, o aumento da rigidez orçamentária, a elevação brutal da carga tributária e novas barreiras aos ganhos de produtividade.

O esgotamento do nacional-desenvolvimentismo também tem inúmeras causas, entre as quais a perda de sustentação fiscal, a tolerância à inflação e o descaso com a educação.

Nada disso é claro para os que defendem como saída a adoção de uma política industrial e de medidas geradoras de juros baixos e câmbio alto. Dá-se como exemplo a China e a Índia, que supostamente estão dando certo porque seguem esse figurino.
Imaginar que o êxito recente desses países resulta meramente desses fatores é desprezar a origem dos elevados ganhos de produtividade que explicam seu desenvolvimento.

Na verdade, esse êxito deve muito à educação. A Índia investiu maciçamente em educação após se tornar independente em 1947, mas adotou um intervencionismo estatal excessivo que inibiu o crescimento por cerca de quarenta anos.

Após as medidas de liberalização adotadas a partir de 1985 pelo primeiro ministro Rajiv Ghandi (aqui se diria neoliberalismo), as quais foram mantidas e ampliadas por governos de distintos credos, a Índia deixou de ser um centro exportador de cérebros para os países desenvolvidos e começou aproveitar o potencial de seus investimentos em educação. As exportações da indústria de tecnologia de informação e de serviços correlatos devem atingir US$ 60 bilhões até 2010. As escolas superiores graduam anualmente 2,5 milhões de estudantes, dos quais 250 mil são engenheiros.

O foco na educação é também a característica da China, que nessa crucial área rapidamente se livrou de preconceitos ideológicos e não sofre da doença dos privilégios que garante educação superior gratuita para ricos no Brasil. Um quarto do orçamento das universidades públicas chineses provém de mensalidades pagas. A gratuidade é garantida apenas para os estudantes que não podem pagar.

A China forma anualmente dez vezes mais engenheiros do que os EUA. Cerca de 200 mil chineses freqüentam cursos de mestrado e doutorado na Europa e nos EUA. Enquanto o nosso Itamaraty dispensou o teste de inglês para ingresso na carreira diplomática, a China tornou obrigatórias quatro horas semanais de ensino dessa língua a partir do terceiro ano do ensino fundamental.

Uma prova da revolução e do pragmatismo educacional na China foi a inauguração, ano passado, do campus avançado da Universidade britânica de Nottingham na cidade portuária de Ningbo. É o primeiro campus estrangeiro desde o advento do comunismo em 1949. As aulas são dadas em inglês e os estudantes pagam US$ 6,2 mil por ano, dez vezes mais do que em outras universidades chinesas.

O campus tem como sócio uma empresa estatal da área educacional, à qual pertencem os ativos e o controle do conselho de administração. Compete à Universidade de Nottingham recrutar estudantes e professores, escolher os cursos, selecionar o seu conteúdo, conduzir os exames e conceder os respectivos títulos.

Para se ter idéia da postura que impera na China nessa área, basta mencionar o que aconteceu na primeira eleição do presidente da associação de estudantes do campus. Como assinalou a The Economist (10/11/2005), o eleito foi um britânico, Mark Curry, provavelmente o primeiro estrangeiro a exercer essa função desde que começou o domínio comunista. O fato assume maior importância, diz a revista, quando se sabe que as eleições para organizações estudantis são fortemente controladas pelo Partido Comunista através da Liga da Juventude Comunista.

Enquanto isso, o atual governo brasileiro quer aumentar os recursos públicos para as universidades, é leniente com as greves de professores e por certo veria com reservas o funcionamento de uma universidade estrangeira como a de Nottingham na China.
E continua a ladainha dos que acham que basta reduzir o superávit primário, baixar os juros e elevar o câmbio para que se opere o milagre da multiplicação do desenvolvimento.

Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada
mnobrega@tendencias.com.b

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