quinta-feira, janeiro 19, 2006

39) Formação do império americano: resenha do Prof. Amado Cervo


Democracia e degenerescência
Amado Luiz Cervo (Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Emérito)

Há cinqüenta anos, Luiz Alberto Moniz Bandeira, professor aposentado da Universidade de Brasília, estuda a história interna e as relações internacionais dos Estados Unidos. Como resultado, acaba de lançar Formação do Império Americano; da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, 851 p.).
Para quem já publicou duas dezenas de obras que contam entre as mais relevantes para o conhecimento das relações internacionais do Brasil e da América do Sul, esta última representa ponto de chegada do pensamento e tira motivação de audaciosa hipótese, o processo de perversão da democracia, precisamente na terra por tantos considerada um “farol da liberdade” culturalmente transformado em messianismo nacional.
Como em seus outros trabalhos, Moniz Bandeira elege o método histórico, na acepção de Benedetto Croce: “o conhecimento concreto – o fato, sua gênese e evolução – é o conhecimento histórico”. Nesse livro, todavia, Moniz persegue seu objeto, a formação do Império, transitando da vasta empiria dos fatos que arrola e descreve aos pensamentos e às teorias que os envolveram no passado e ainda os encobrem no presente. Usa conceitos e teorias do estoque do conhecimento disponível, exibindo tanto sua capacidade explicativa quanto incoerências. Não compara as teorias entre si, porém confronta-as com a realidade, porque toma “a prática, entendida como o curso da História”. Os materiais utilizados na pesquisa são variados e ricos: fontes impressas nos Estados Unidos, obras de pensadores e filósofos de várias nacionalidades, livros de acadêmicos, relatórios de assessores e dirigentes, memórias de homens de Estado e publicações de jornalistas, sobretudo fontes norte-americanas.
O autor não recorre às “teorias da conspiração” na busca da verdade acerca da formação norte-americana, porém desvenda as contradições do processo histórico: entre o desenvolvimento acadêmico, científico e tecnológico de ponta e a ignorância da “América profunda” acerca do que se passa no mundo; entre os valores civilizatórios internos e a ação externa anticivilizatória; entre a adesão e a hostilidade que os Estados Unidos recolhem no mundo da opinião e dos governos.
Alguns eixos de interpretação conduzem a análise de Moniz Bandeira. Na gênese do Império, guerras de pretexto foram desencadeadas, que estimularam a indústria bélica associada a novo núcleo econômico nacional e a nova classe de capitalistas ricos. As duas guerras mundiais aprofundaram a tendência original da militarização da economia que alcança o presente como mola impulsora do poder norte-americano, seja pela aliança com os mercados, seja pelo controle das fontes de energia. Erige-se, desse modo, a “ditadura global” como extensão da “perversão” da democracia. Onze de setembro de 2001 é irrelevante.
Essa militarização da economia norte-americana explica o culto da violência e da guerra que inspira a política exterior dos Estados Unidos, caracterizada por métodos de ação acima das leis da democracia, em contradição com a moral missionária e com o direito internacional, vistos como empecilhos para o curso do Império. Depois da queda da União soviética que continha sua expansão, essa ditadura global prossegue mais desenvolta e atinge com Jorge W. Bush seu apogeu.
Moniz Bandeira supera a versão da “república imperial” de Raymond Aron. Descreve a “face obscura” do Império, na expressão usada no prefácio por Jan Knippers Black do Monterey Institute of International Studies. Trata-se de leitura útil para todos, sobretudo para a massa de ignorantes que compõem a América profunda. As conclusões não são otimistas, mesmo porque, em seu último parágrafo, o autor compara George W. Bush, atual dirigente do Império, a Adolf Hitler, que manipulou a democracia e o combate ao terrorismo, presumia que seus cidadãos fossem superiores aos demais e que a Alemanha fosse invencível nos próximos mil anos, mas instalou a ditadura.

Correio Braziliense, Caderno Pensar, 14/01/2006.

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