quinta-feira, janeiro 19, 2006

37) Affair Moniz Bandeira vs Primeira Leitura (1): as razões do autor


Transcrevo, abaixo, a carta encaminhada por via eletrônica pelo professor Moniz Bandeira aos editores de Primeira Leitura, a propósito da resenha desfavorável ao seu livro, Formação do império americano, na edição de dezembro daquela revista.
Já efetuei, no post imediatamente precedente, o devido esclarecimento sobre os elementos disponibilizados deste dossiê sobre o presente "affair", informando sobre os números dos posts colocados, tanto neste mesmo Blog auxiliar, como em meu Blog principal.


Carta do Professor Moniz Bandeira, em 2 de janeiro de 2006, à revista Primeira Leitura – Resposta a Roberto Romano

Resposta ao artigo “A formiga que marchava contra o império: uma fábula hegeliana”, publicado na Edição 46, dezembro de 2005.

Roberto Romano, em seu artigo “A formiga que marchava contra o império: uma fábula hegeliana”, publicado em Primeira Leitura, Edição 46, dezembro de 2005, estabeleceu uma vinculação abusiva e capciosa, narrando fatos inverídicos e errôneos, de caráter ultrajante contra a minha pessoa e o meu trabalho, o que traz claras conseqüências jurídicas.
Ao escrever que em Formação do Império Americano faço “denúncias” que, ‘sem exagero, atribuem ao governo norte-americano plena cumplicidade com o ataque de 11/setembro’” e que “essas histórias fantásticas recordam invenções como o Protocolo dos Sábios de Sião”, ele faz uma vinculação capciosa.
O que Romano chama de “denúncias” sobre a cumplicidade (o adjetivo “plena” é da sua lavra) são acusações levantadas não por mim, mas por diversos autores norte-americanos, nos EUA, onde têm sido publicadas inúmeras obras sobre o assunto, sobre as quais me baseei e que Romano, na sua ignorância, desconhece.
Quem quiser que consulte algumas dessas obras: Eric D. Williams. The Puzzle of 9-11 – An investigation into the events of September 11, 2001, and why the pieces don’t fit together; A Pretext for War : 9/11, Iraq, and the Abuse of America's Intelligence Agencies, de James Bamford; The 9/11 Commission Report: Omissions And Distortions, David Ray Griffin; 9/11 Revealed. The Unanswered Questions, de Rowland Morgan e Ian Henshall; Conspiracies, Conspiracy Theories and the Secrets of September 11, de Mathias Broecker, que vendeu mais de 100.000 exemplares nos Estados Unidos; Worse than Watergate. The Secret Presidency of George W. Bush, de John W. Dean, ex-assessor do presidente Richard Nixon¸ The New Pearl Harbor: Disturbing Questions About the Bush Administration and 9/11, do respeitado teólogo David Ray Griffin; Inside Job: Unmasking the Conspiracies of 9/11, de Jim Marrs; e Cover Up : What the Government Is Still Hiding About the War on Terror, de Peter Lance.

Essas são algumas de mais de uma dezena de obras sobre o assunto, publicadas nos Estados Unidos e na Inglaterra e nas quais os autores sustentam que os atentados de 11 de setembro de 2001 foram facilitados pela administração de George W. Bush para justificar a deflagração da guerra contra o terrorismo, a guerra permanente, e executar The Project for the New American Century.
Isso nada tem a ver com o Protocolo dos Sábios do Sião, uma falsificação de caráter anti-semita, feita pela Okhrana, polícia secreta da Rússia tsarista, que culpa os Judeus pelos males do país, acusando uma cabala secreta judaica de conspirar para conquistar o mundo.
No caso dos atentados de 11 de setembro, há apenas um informe de que o Mossad e o serviço de inteligência da França teriam advertido à CIA e ao FBI sobre a ameaça, e uma hipótese não confirmada sobre a possibilidade de que o Mossad teria ajudado para provocar uma onda de indignação contra os muçulmanos. Porém, o que há de concreto, comprovado pela National Commission on Terrorists Attacks Upon de United States, foi que, além de várias e outros fatos, inclusive o Projeto Bojinka descoberto em 1994, George W. Bush soube, através do top-secret Presidential Daily Brief memorandum, intitulado “Bin Laden Determined to Strike in U.S”, com a informação do agente Phoenix (Kenneth Williams ), dizendo que

“We have not been able to corroborate some of the more sensational threat reporting, such as that from a ... (redacted portion) ... service in 1998 saying that Bin Ladin wanted to hijack a US aircraft to gain the release of "Blind Shaykh" 'Umar 'Abd al-Rahman and other US-held extremists. Nevertheless, FBI information since that time indicates patterns of suspicious activity in this country consistent with preparations for hijackings or other types of attacks, including recent surveillance of federal buildings in New York .”

(nota de rodapé: "Miller Bill & Eggen, Dan FBI – “Memo Author Did Not Envision Sept. 11”, The Washington Post, 23.05.2002").

A conclusão de que os atentados de 11 de setembro poderiam ser evitados não é somente minha, mas de diversos autores americanos e ingleses. Roberto Romano, portanto, falseia, deliberadamente, o conteúdo da obra.
Em outra passagem do seu artigo ele diz que cito Hitler “com indulgência”, num discurso contra “a ilimitada ditadura mundial norte-americana”. Segundo Romano, “encontra-se aí uma perigosa coincidência entre a tese central do livro em pauta e o discurso totalitário: os EUA querem impor uma ditadura sem limites ao mundo”. Romano omite deliberadamente que várias vezes demonstrei como Hitler manipulou o espectro do terrorismo, após o incêndio do Reichstag por um demente acusado de comunista e encorajado pelos próprios os nazistas, e que, ao final da obra eu advirto:

“A ameaça que se descortinava nos Estados Unidos consistia exatamente na implantação de uma ditadura, sustentada pelo complexo industrial-militar, mediante a contínua disseminação do medo, making fears, e a manipulação de permanente estado de guerra, a guerra sem fim contra o espectro do terrorismo, como rationale para crescente restrição das liberdades e dos direitos civis, dentro dos próprios marcos da Constituição, como começou a acontecer com o estabelecimento do USA Patriot Act. Foi assim que Hitler, a manipular, igualmente, o espectro do terrorismo, o incêndio do Reichstag, instituiu o III Reich, a mais cruel tirania, só comparável à de Stalin na Rússia, sem revogar sequer uma linha da Constituição de Weimar” (Formação do Império Americano, p. 795)

Não há nenhuma indulgência ao qualificar o III Reich como “a mais cruel tirania, só comparável à de Stalin na União Soviética”. O que não posso é falsificar a história, dizendo que Hitler queria a guerra com os Estados Unidos. A entrada dos Estados Unidos no conflito da Europa era exatamente o que ele temia, e por isso evitou tanto quanto pôde as provocações, porque sabia que a Alemanha seria derrotada.
Mas se precipitou ao perceber a inevitabilidade do conflito. É um fato histórico.

Romano, entretanto, é indulgente com George W. Bush, procurando inocentá-lo, sem mencionar que, em 3 de junho de 1997, um grupo composto por Jeb Bush, governador da Flórida e irmão do presidente, então governador do Texas, Dick Cheney, Francis Fukuyama, o teórico do fim da história, I. Lewis Libby, Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld e mais alguns neocons, vinculados ao American Enterprise Institute, Hudson Institute e outros think tanks, lançou o Project for the New American Century (PNAC).
Seu programa consistia em aumentar os gastos com defesa, fortalecer os vínculos democráticos e desafiar os “regimes hostis aos interesses e valores” americanos, promover a “liberdade política” em todo o mundo, e aceitar para os Estados Unidos o papel exclusivo em “preservar e estender uma ordem internacional amigável (friendly) à nossa segurança, nossa prosperidade e nossos princípios”.
Com essa doutrina George W. Bush buscou derrubar um dos fundamentos do moderno Direito Internacional, segundo o qual o emprego da força só seria permitido em defesa própria, para enfrentar ameaças reais, não potenciais, mas não como ação preventiva e antecipada. E, ao “the war on terror will not be won on the defensive”, revelou sua intenção de mover uma guerra permanente, a fim de manter, ampliar e consolidar a hegemonia dos Estados Unidos, sobre todas as regiões, e impor a pax americana, encorajando “free and open societies on every continent”. E, sem qualquer ambigüidade, aduziu: “The requirements of freedom apply fully to Africa and Latin America and the entire Islamic world”.
Os Estados Unidos decidiram assim derrogar unilateralmente os princípios da soberania nacional e da não-intervenção nos assuntos internos de outros países, acordados no Tratado de Westphalia, de 1648. E George W. Bush, com o objetivo de racionalizar as guerras, que pretendia desencadear, oficializou a doutrina dos “pre-emptive attacks”, em documento de 33 páginas – The National Security Strategy of the United States of América – divulgado em 17 de setembro de 2002. Não se trata, pois, de impor uma ditadura mundial?

Romano diz que assumo “o mais vulgar anti-americanismo” e omite que me refiro aos Estados Unidos como “uma sociedade extraordinariamente complexa, dinâmica e rica em contradições internas”, com “elevadíssimo desenvolvimento científico e tecnológico, do alto nível de suas universidades” e que “não se pode desconhecer o contributo da revolução na América – a guerra da independência das treze colônias (1776-1783) – à cultura democrática, que terminou por influir sobre a Revolução Francesa de 1789-1793 e que há nos Estados Unidos uma plêiade de brilhantes acadêmicos, intelectuais e jornalistas, que não se cansam de denunciar e criticar as mazelas da sociedade e da política interna e externa dos Estados Unidos.
Eles têm escrito e publicado obras das mais lúcidas, criticando a política doméstica e a política exterior dos Estados Unidos, particularmente com respeito ao golpe de Estado no Irã (1953), à invasão da Guatemala (1954), e da Baía dos Porcos (Cuba, 1961), aos golpes militares no Brasil (1964) e no Chile (1973), à guerra no Vietnã etc.” (Formação do Império Americano, p. 25).
Quem prefacia o livro é, inclusive, uma politóloga dos Estados Unidos, Jan K. Black, do Monterey Institute of International Studies, da Califórnia.

Basta citar esses aspectos do artigo de Romano, de quem jamais eu havia ouvido falar, para mostrar que, por ignorância e má-fé, conjugadas, ele deturpa e distorce o conteúdo da obra – Formação do Império Americano – apenas para atacá-la, em meio de insólitas insinuações e falsas afirmativas.

St. Leon, 02/01/2006
Prof. Dr. Luiz Alberto Moniz Bandeira

(segue, no post 38, carta dos advogados de Moniz Bandeira aos editores da revista)

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