Primeiro um artigo, cujos argumentos eu não endosso necessariamente, mas que me parece importante:
IDÉIAS
Por que as idéias liberais não vingam no Brasil?
POR DENIS ROSENFIELD
Época Negócios, Edição 9 - Outubro de 2007
Os detratores do liberalismo conseguiram a proeza de responsabilizá-lo por todos os males, como se alguma vez ele tivesse sido real. em nosso país, a idéia de socialismo guarda uma aura quase religiosa. Ela veio a ser identificada a uma sociedade perfeita, em relação à qual todas as demais seriam imperfeitas, em particular o capitalismo. Sob a batuta de tais idéias, o estado ganha em tamanho, gastos e onipotência.
Em 1811-12, foi publicado no Brasil, pela Imprensa Régia, A Riqueza das Nações, de Adam Smith. É como se essa obra-mestra tivesse acompanhado a corte de Dom João VI quando chegou ao nosso país. Muito tempo passou desde então e, no entanto, o liberalismo continua claudicante entre nós. Os seus valores, como individualismo, mérito, valorização do trabalho e igualdade perante a lei, permaneceram vagos ou desnecessários, quando não considerados simplesmente contrários a uma abstrata noção de igualdade social. Dois séculos depois, ele foi declarado morto, sem que, porém, tivéssemos feito a sua experiência.
Os seus detratores conseguiram a proeza de responsabilizá-lo por todos os males nacionais, como se alguma vez ele tivesse sido real. Trata-se de uma questão metafísica, no sentido pejorativo do termo: critica-se uma entidade inexistente e ela se torna, assim, a causa de todo o existente. A proeminência política de tal postura, politicamente bem-sucedida, se traduziu pelo fato de que o imaginário sócio-político e a opinião pública foram capturados pela idéia de que uma alternativa liberal não é possível, como se o Brasil devesse se contentar com as experiências não liberais vigentes. Logo, pede-se mais do mesmo, fazendo-se da mesmice a redenção de todos os males que nos assolam.
Os valores do individualismo, como o empreendedorismo, a busca da realização pessoal, a aposta no risco, a diferenciação dos ganhos e o mérito, enquanto algo moralmente digno, foram relegados a uma posição secundária ou, ainda pior, tornaram-se os responsáveis de fracassos econômicos, sociais e políticos, sem que eles, contudo, tivessem jamais entrado verdadeiramente em pauta. Foram declarados politicamente como valores de "direita", que, por isso mesmo, deveriam ser menosprezados. O atraso ganhou carta de cidadania como se fosse a verdadeira novidade e a modernidade foi postergada para um futuro incerto.
A esquerda e, em particular, o PT, foram particularmente hábeis em formar um imaginário avesso a qualquer idéia de modernização. Exemplo particularmente eloqüente encontra-se na vitória de Lula, na última eleição. O segundo turno mostrou, com todo o vigor, o quanto idéias são fundamentais para a orientação da ação. Quando a equipe vitoriosa suscitou o problema das privatizações, o candidato Geraldo Alckmin ficou completamente desorientado, não sabendo o que nem como responder. Naquele momento, selou o seu destino. Posteriormente, o marqueteiro de Lula, João Santana, numa entrevista à Folha de S.Paulo, reconheceu que ele apostou numa idéia arraigada na opinião pública, fruto, aliás, de um longo trabalho petista de crítica acirrada às privatizações realizadas durante o governo Fernando Henrique. Soube ele extrair os resultados dessa avaliação.
Perguntado sobre o que realmente pensava das privatizações, respondeu, paradoxalmente, que elas foram um sucesso, sobretudo na área de telecomunicações. Esse exemplo mostra a importância de um trabalho centrado na formação da opinião pública enquanto condição de uma vitória eleitoral. Idéias precisam ser elaboradas e passadas para os cidadãos, de tal maneira que surja uma nova mentalidade, capaz de conduzir uma sociedade no caminho de sua renovação. Se idéias atrasadas imperam, a sociedade não avançará. Se idéias progressistas passam a predominar, a sociedade pode ter um novo amanhã. O surgimento de uma nova mentalidade depende de uma atuação sobre os pontos sensíveis do imaginário político-social. Daí surgem os instrumentos que permitem operar sobre a realidade. Idéias são guias da ação, norteiam o voto e orientam a atuação estatal e política.
O liberalismo tornou-se um palavrão, uma idéia que deveria ser exorcizada
Ora, o liberalismo tornou-se um palavrão, uma idéia que deveria ser exorcizada. O exorcismo apresenta-se sob a forma de um termo que se tornou usual como se evidente fosse, embora, em si mesmo, nada signifique: o "neoliberalismo". A rigor, o "neoliberalismo" não existe, senão na fala dos seus detratores. Criou-se uma entidade fictícia que termina funcionando como uma espécie de bode expiatório. Quando esse tipo de esquerda procura denegrir alguém, chama-o de "neoliberal". É como se nada mais necessitasse ser dito, sendo apenas suficiente repetir o mesmo termo quantas vezes fosse necessário. A monotonia desse discurso só cessa com a pergunta: será que o neoliberalismo existe?
O que existe são regimes capitalistas que se desenvolveram sob a égide de princípios liberais: a liberdade econômica, o respeito à propriedade privada e aos contratos, a livre-iniciativa, a valorização do indivíduo, de sua capacidade de livre escolha, o apreço pelo mérito, o estado de direito, a liberdade religiosa, a liberdade de pensamento e expressão, a liberdade de organização sindical e a liberdade de participação política. Os regimes que questionaram esses princípios, relativizando a propriedade privada, são os que desembocaram na supressão total das liberdades, na onipotência do Estado e na aniquilação de uma boa parte de suas populações. Onde o socialismo se realizou, a humanidade foi totalmente deformada, tornando-se mesmo irreconhecível nos campos de reeducação, que eram campos de concentração.
Contudo, em nosso país, a idéia de socialismo guarda uma aura quase religiosa. Ela veio a ser identificada a uma sociedade perfeita, em relação à qual todas as sociedades existentes seriam imperfeitas, em particular o capitalismo. Este último regime não teria, efetivamente, como se contrapor ao reino de Deus. Por definição, a criatura é inferior ao criador. Cabe, no entanto, a pergunta: por que não comparar as sociedades socialistas existentes ou que existiram com as sociedades capitalistas, as que terminaram progressivamente realizando os valores do liberalismo? Tal comparação mostraria, sem dúvida, a superioridade inconteste do capitalismo sobre o socialismo. Sociedades tais como a americana, a inglesa, a francesa, a italiana e as nórdicas, quando comparadas com a antiga União Soviética, países socialistas do Leste europeu, Cuba, Camboja e outros, mostram os termos reais da comparação.
Onde está o "neoliberalismo"? Na cabeça dos que criaram essa idéia. Trata-se de um mero artifício retórico. Como a esquerda ficou órfã depois da queda do muro de Berlim, ela criou um factóide que pudesse orientar a sua ação política e capturar a mente dos incautos. A operação foi tão bem-sucedida que o uso dessa palavra tornou-se um xingamento, obrigando os assim identificados a um processo de defesa do que, a rigor, não existe! Os termos do debate ficaram, então, circunscritos a um espaço de interlocução ditado por uma esquerda que produz desacertos constantes no mundo real, mas consegue sair vitoriosa no campo das idéias.
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Agora meus comentarios seguidos de dois trabalhos ja publicados e o esquema geral do que pretendo fazer nos proximos meses:
Creio, pessoalmente, que nem mesmo os petistas e outros (PCdoB e quejandos) acreditam mais no socialismo: para todos os efeitos praticos, trata-se de um cachorro morto e ninguem precisa bater em cachorro morto. Essa conversa de socialismo e de anti-neoliberalismo é coisa de universitarios. Na vida pratica, ninguem fica questionando conceitos.
O que está em causa, na verdade, é o estatismo irresponsavel, pois, para os novos donos do poder, nao se trata mais de construir o Estado desenvolvimentista, e sim o Estado que serve aos interesses da nova nomenklatura.
O que está afogando p Brasil não é o socialismo, é o estatismo exacerbado.
Estou tentando fazer a analise dessas tendencias perversas numa serie de artigos:
1826. “Autobiografia de um fora-da-lei, 1: uma história do Estado brasileiro”, Brasília, 19 outubro 2007, 3 p. Revisão: 27.10.07. Introdução, sob forma de “prefácio”, a um ensaio histórico-político, que pode tornar-se um livro verdadeiro, sobre o Estado brasileiro, narrado na primeira pessoa. Via Política (29.10.2007; link: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=56). Espaço Acadêmico (ano 7, nr. 78; novembro 2007 link: http://www.espacoacademico.com.br/078/78almeida.htm).
1831. “Autobiografia de um fora-da-lei, 2 (uma história do Estado brasileiro); Uma questão de método: como o Estado pode escrever sua própria biografia?”, Brasília, 27 outubro 2007, 4 p. Segundo capítulo do ensaio histórico-político sobre o Estado brasileiro, sobre a natureza do discurso e a identidade de quem escreve. Via Política (4.11.2007; link: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=57).
1829. “Autobiografia de um fora-da-lei: uma história do Estado brasileiro”, Brasília, 27 outubro 2007, 4 p. Esquema do ensaio histórico-político sobre o Estado brasileiro, narrado na primeira pessoa, em 58 capítulos. A ser desenvolvido gradualmente, de preferência um capítulo por semana, para a Via Política.
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Um comentário:
Refletindo sobre a desapropriação para reforma agrária promovida pelo INCRA, num estilo hoobin-hood de Estado legitimado pela Constituição Federal de 1988, compreendi o quão longe estamos de ser uma "nação" desenvolvida, ao invés de um Estado inchado mal- resolvido. Se mais cabeças pensantes como o Sr. houvessem, deixaríamos de ser o reino dos tolos.
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