Keynes e os “keynesianos”
Rubem de Freitas Novaes*
O Globo, 6 de março de 2009
A crise atual traz à baila idéias intervencionistas do economista inglês John Maynard Keynes, que, diante da depressão dos anos 30, se tornou crítico da Teoria Econômica Neoclássica, sustentáculo do pensamento liberal tradicional exposto por autores do calibre de Adam Smith, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman.
Muitos analistas, pessimistas com os rumos da economia mundial, hoje caracterizada pelo predomínio do Capitalismo e pela globalização dos mercados, parecem prever novos tempos em que regimes econômicos caminhariam no sentido da socialização dos meios de produção e do estreitamento do comércio internacional. Fazem-no buscando respaldo intelectual em Keynes, como se o mestre fosse um inimigo declarado do Capitalismo e do livre comércio. Convém, portanto, para melhor entendimento da questão, repassar alguns tópicos do pensamento econômico dos tempos em que foi escrita a famosa obra do mestre de Cambridge “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”:
Antes da publicação da “Teoria Geral” de Keynes, em 1936, prevalecia no corpo da doutrina econômica a idéia de que a “mão invisível” de Smith era bastante para resolver, não só questões de ajustamentos setoriais, mas também problemas de recessão. De início, acreditava-se que a “Lei de Say”, segundo a qual “a oferta cria sua própria demanda”, vigorava sempre. Mais tarde, diante da constatação da existência de ciclos de recessão e prosperidade (geralmente causados, é verdade, por imperícia dos governantes) , a Teoria Neoclássica passou a postular que, mesmo diante de uma queda da demanda global, bastaria a existência de plena flexibilidade de preços e salários para que os mercados se auto-corrigissem, evitando os males maiores de uma depressão.
A grande “sacada” de Keynes foi perceber que o bom funcionamento do regime capitalista depende de um fator até então muito pouco lembrado nas construções teóricas: a fundamental confiança entre os agentes econômicos. Instalada uma crise generalizada de confiança num momento ruim da economia - sem que se discuta o que a originou - a hipótese de flexibilidade de preços e salários seria insuficiente para garantir o retorno à normalidade, já que os mercados de moeda e crédito deixariam de funcionar adequadamente. Emissões primárias de base monetária comandariam um menor estoque de moeda, pela queda dos multiplicadores bancários, e o estoque de moeda existente comandaria uma menor demanda agregada, pela queda da velocidade de circulação monetária. Em outras palavras, bancos, indivíduos e empresas disporiam de recursos financeiros, mas não os movimentariam na velocidade desejada. Com isso, estaria configurada uma “armadilha da liquidez” (liquidity trap), modernamente chamada de “empoçamento” da moeda e do crédito, que obrigaria o Governo a agir do lado das despesas públicas para restabelecer um nível razoável de atividade econômica.
Neste ponto podemos introduzir a crítica de Milton Friedman, no sentido de que não seria necessário o aumento do dispêndio público para estimular a demanda agregada, bastando para tanto que se emitisse moeda até a desobstrução dos canais entupidos e que se reduzisse a carga tributária sobre indivíduos e empresas. Mas, ainda assim, permaneceriam válidos os pressupostos da política fiscal compensatória de Keynes que, lastreada numa bem maior propensão a gastar do setor público em períodos de crise de confiança, faz prever um significativo acréscimo na demanda global quando recursos são transferidos da população para as agências governamentais gastadoras.
Se Keynes e sua obra têm méritos indiscutíveis, o mesmo não pode ser dito de muitos de seus seguidores e dos que se apropriam e distorcem suas idéias. Duas categorias de “keynesianos” aqui se destacam: os que apontam falhas no funcionamento dos mercados para defender o ideário socialista e a classe de políticos e governantes que, sedenta de poder, procura respaldar-se no “rationale” oferecido pelo mestre inglês para justificar despesas direcionadas a grupos de interesse, empregar protegidos e criar organismos públicos geradores de “bons negócios”.
Pouco antes de sua morte, Lord Keynes dirigiu-se ao ultra liberal Hayek demonstrando abominar o credo socialista. Sua grande contribuição à Teoria Econômica foi feita com o intuito de fortalecer o Capitalismo, corrigindo, com medidas de caráter temporário, falhas do funcionamento dos mercados livres magnificadas em momentos de crise de confiança generalizada. Se vivo fosse, certamente estaria feliz com o retorno de seu nome às manchetes, mas amargurado com o mau uso que fazem de seus ensinamentos.
* O autor é economista formado pela UFRJ com doutorado (PhD) pela Universidade de Chicago. Foi Professor da EPGE/FGV, Presidente do SEBRAE e Diretor do BNDES.
sábado, outubro 31, 2009
544) Capitalism After the Crisis - Luigi Zingales
Capitalism After the Crisis
LUIGI ZINGALES
The economic crisis of the past year, centered as it has been in the financial sector that lies at the heart of American capitalism, is bound to leave some lasting marks. Financial regulation, the role of large banks, and the relationships between the government and key players in the market will never be the same.
More important, however, are the ways in which public attitudes about our system might change. The nature of the crisis, and of the government's response, now threaten to undermine the public's sense of the fairness, justice, and legitimacy of democratic capitalism. By allowing the conditions that made the crisis possible (particularly the concentration of power in a few large institutions), and by responding to the crisis as we have (especially with massive government bailouts of banks and large corporations), the United States today risks moving in the direction of European corporatism and the crony capitalism of more statist regimes. This, in turn, endangers America's unique brand of capitalism, which has thus far avoided becoming associated in the public mind with entrenched corruption, and has therefore kept this country relatively free of populist anti-capitalist sentiment.
Are such changes now beginning? And if so, will they mark only a temporary reaction to an extreme economic downturn, or a deeper and more damaging shift in American attitudes? Some early indications are not encouraging.
SOAK THE RICH
A friend of mine worked as a consultant for the now-infamous insurance giant American International Group. To prevent him from starting his own hedge fund, AIG offered him a non-compete agreement: a sum of money meant to compensate him for the opportunity forgone. It is a perfectly standard and well-regarded practice — but unfortunately for my friend, his payment under this agreement was to be made at the end of 2008. So he spent the early months of 2009 living in terror: His contract was classified as one of the notorious AIG retention bonuses. At the height of the fury against those bonuses, he received several death threats. Though he had no legal obligation to do so, he returned the money to the company, hoping that the gesture might keep his name from being published in the papers. In case that failed to protect him, he prepared a plan to evacuate his wife and children. It was the responsible thing to do; after all, angry protestors had staked out the homes of several AIG executives whose names appeared in print — and only luck had prevented someone from getting hurt.
While such extreme episodes have, fortunately, been quite rare, they are symptomatic of a broad discontent. In one recent survey, 65% of Americans said the government should cap executive compensation by large corporations, while 60% wanted the government to intervene to improve the way corporations are run. And those views hardly reflect confidence in the government: Only 5% of Americans in the same poll said they trust the government a lot, while 30% said they do not trust it at all. It is just that, at the moment, Americans trust large corporations even less: Fewer than one out of every 30 Americans say they trust them a lot, while one of every three Americans claims not to trust large corporations at all.
These attitudes are familiar to students of public opinion in much of the world. But they are quite unusual for the United States. Until recently, Americans stood out for their acceptance of basic market principles and even for their tolerance of some of the negative side effects markets produce, such as marked income inequality.
Capitalism has long enjoyed exceptionally strong public support in the United States because America's form of capitalism has long been distinct from those found elsewhere in the world — particularly because of its uniquely open and free market system. Capitalism calls not only for freedom of enterprise, but for rules and policies that allow for freedom of entry, that facilitate access to financial resources for newcomers, and that maintain a level playing field among competitors. The United States has generally come closest to this ideal combination — which is no small feat, since economic pressures and incentives do not naturally point to such a balance of policies. While everyone benefits from a free and competitive market, no one in particular makes huge profits from keeping the system competitive and the playing field level. True capitalism lacks a strong lobby.
That assertion might appear strange in light of the billions of dollars firms spend lobbying Congress in America, but that is exactly the point. Most lobbying seeks to tilt the playing field in one direction or another, not to level it. Most lobbying is pro-business, in the sense that it promotes the interests of existing businesses, not pro-market in the sense of fostering truly free and open competition. Open competition forces established firms to prove their competence again and again; strong successful market players therefore often use their muscle to restrict such competition, and to strengthen their positions. As a result, serious tensions emerge between a pro-market agenda and a pro-business one, though American capitalism has always managed this tension far better than most.
THE AMERICAN EXCEPTION
In a recent study, Rafael Di Tella and Robert MacCulloch showed that public support for capitalism in any given country is positively associated with the perception that hard work, not luck, determines success, and is negatively correlated with the perception of corruption. These correlations go a long way toward explaining public support for America's capitalist system. According to one recent study, only 40% of Americans think that luck rather than hard work plays a major role in income differences. Compare that with the 75% of Brazilians who think that income disparities are mostly a matter of luck, or the 66% of Danes and 54% of Germans who do, and you begin to get a sense of why American attitudes toward the free-market system stand out.
Some scholars argue that this perception of capitalism's legitimacy is merely the result of a successful propaganda campaign for the American Dream — a myth embedded in American culture, but not necessarily tied to reality. And it is true that the data yield scant evidence that social mobility is higher across the board in the United States than in other developed countries. But while this difference does not show up in the aggregate statistics, it is powerfully present at the top of the distribution — which often gets the most attention, and most shapes people's attitudes. Even before the internet boom created many young billionaires, in 1996, one in four billionaires in the United States could be described as "self-made" — compared to just one out of ten in Germany. And the wealthiest self-made American billionaires — from Bill Gates and Michael Dell to Warren Buffett and Mark Zuckerberg — have made their fortunes in competitive businesses, with little or no government interference or help.
The same cannot be said for most other countries, where the wealthiest people tend to accumulate their fortunes in regulated businesses in which government connections are crucial to success. Think about the oligarchs in Russia, Silvio Berlusconi in Italy, Carlos Slim in Mexico, and even the biggest tycoons in Hong Kong. They made their fortunes in businesses that are highly dependent on governmental concessions: energy, real estate, telecommunications, mining. Success in these businesses often depends more on having the right connections than on having initiative and enterprise.
In most of the world, the best way to make money is not to come up with brilliant ideas and work hard at implementing them, but to cultivate a government connection. Such cronyism is bound to shape public attitudes about a country's economic system. When asked in a recent study to name the most important determinants of financial success, Italian managers put "knowledge of influential people" in first place (80% considered it "important" or "very important"). "Competence and experience" ranked fifth, behind characteristics such as "loyalty and obedience."
These divergent paths to prosperity reveal more than a difference of perception. American capitalism really is quite distinct from its European counterparts, for reasons that reach deep into history.
THE ROOTS OF AMERICAN CAPITALISM
In America, unlike much of the rest of the West, democracy predates industrialization. By the time of the Second Industrial Revolution in the latter part of the 19th century, the United States had already enjoyed several decades of universal (male) suffrage, and several decades of widespread education. This created a public with high expectations, unlikely to tolerate evident unfairness in economic policy. It is no coincidence that the very concept of anti-trust law — a pro-market but sometimes anti-business idea — was developed in the United States at the end of the 19th century and the beginning of the 20th. It is also no coincidence that in the early part of the 20th century, fueled by an inquisitive press and a populist (but not anti-market) political movement, the United States experienced a rise in regulation aimed at reducing the power of big business. Unlike in Europe — where the most vibrant opposition to the excesses of business came from socialist anti-market movements — in the United States this opposition was squarely pro-market. When Louis Brandeis attacked the money trust, he was not fundamentally trying to interfere with markets — only trying to make them work better. As a result, Americans have long understood that the interests of the market and the interests of business may not always be aligned.
American capitalism also developed at a time when government involvement in the economy was quite weak. At the beginning of the 20th century, when modern American capitalism was taking shape, U.S. government spending was only 6.8% of gross domestic product. After World War II, when modern capitalism really took shape in Western European countries, government spending in those countries was, on average, 30% of GDP. Until World War I, the United States had a tiny federal government compared to national governments in other countries. This was due in part to the fact that the U.S. faced no significant military threat to its existence, which allowed the government to spend a relatively small proportion of its budget on the military. The federalist nature of the American regime also did its part to limit the size of the national government.
When the government is small and relatively weak, the way to make money is to start a successful private-sector business. But the larger the size and scope of government spending, the easier it is to make money by diverting public resources. Starting a business is difficult and involves a lot of risk — but getting a government favor or contract is easier, and a much safer bet. And so in nations with large and powerful governments, the state tends to find itself at the heart of the economic system, even if that system is relatively capitalist. This tends to confound politics and economics, both in practice and in public perceptions: The larger the share of capitalists who acquire their wealth thanks to their political connections, the greater the perception that capitalism is unfair and corrupt.
Another distinguishing feature of American capitalism is that it developed relatively untouched by foreign influence. Although European (and especially British) capital played a significant role in America's 19th- and early 20th-century economic development, Europe's economies were not more developed than America's — and so while European capitalists could invest in or compete with American companies, they could not dominate the system. As a result, American capitalism developed more or less organically, and still shows the marks of those origins. The American bankruptcy code, for instance, exhibits significant pro-debtor biases, because the United States was born and developed as a nation of debtors.
The situation is very different in nations that developed capitalist economies after World War II. These countries (in non-Soviet-bloc continental Europe, parts of Asia, and much of Latin America) industrialized under the giant shadow of American power. In this development process, the local elites felt threatened by the prospect of economic colonization by American companies that were far more efficient and better capitalized. To protect themselves, they purposely built a non-transparent system in which local connections were important, because this gave them an inherent advantage. These structures have proven resilient in the decades since: Once economic and political systems are built to reward relationships instead of efficiency, it is very difficult to reform them, since the people in power are the ones who would lose most in the change.
Finally, the United States was able to develop a pro-market agenda distinct from a pro-business agenda because it was largely spared the direct influence of Marxism. It is possible that the type of capitalism the United States developed is the cause, as much as the effect, of the absence of strong Marxist movements in this country. But either way, this distinction from other Western regimes was significant in the development of American attitudes toward economics. In countries with prominent and influential Marxist parties, pro-market and pro-business forces were compelled to merge to fight the common enemy. If one faces the prospect of nationalization (i.e., the control of resources by a small political elite), even relationship capitalism (which involves control of those resources by a small business elite) becomes an appealing alternative.
As a result, many of these countries could not develop a more competitive and open form of capitalism because they could not afford to divide the opposition to Marxism. Worse, the free-market banner was completely appropriated by the pro-business forces, which were better equipped and better fed. Paradoxically, as the appeal of Marxist ideas faded, this problem in many of these countries became worse, not better. After decades of contiguity and capture, the pro-market forces could not separate themselves from the pro-business camp. Having lost the ideological opposition of Marxism and lacking any opposition from pro-market ideology, pro-business forces ruled unchecked. In no country is this more evident than in Italy, where the pro-market movement today is almost literally owned by a businessman, Prime Minister Silvio Berlusconi, who often seems to run the country in the interest of his media empire.
For all these reasons, the United States developed a system of capitalism that comes closer than any other to the ideal combination of economic freedom and open competition. The image many Americans have of capitalism is therefore that of Horatio Alger's rags-to-riches-via-hard-work stories, which have come to define the American Dream. By contrast, in most of the rest of the world, Horatio Alger is unknown — and the image of social mobility is dominated by Cinderella or Evita stories: fantasies more than plausible dreams. This understanding of opportunity has helped make capitalism popular and secure in the United States.
But because the free-market system relies on this public support, and this support depends to a certain extent on the public's impression that the system is fair, any erosion of that impression threatens the system itself. Such erosion occurs when government connections, or the power of entrenched incumbents in the market, seem to overtake genuine free and fair competition as the paths to wealth and success. Both government and big business have strong incentives to push the system in this direction, and therefore both, if left unchecked, pose a threat to America's distinctive form of capitalism.
Although the United States has the great advantage of having started from a superior model of capitalism and having developed an ideology to support it, our system is still vulnerable to these pressures — and not only in a crisis. Even the most persuasive and resilient ideology cannot long outlive the conditions and reasoning that generated it. American capitalism needs vocal defenders who understand the threats it faces — and who can make its case to the public. But in the last 30 years, as the threat of global communism has waned and disappeared, capitalism's defenders have grown fewer, while the temptations of corporatism have grown greater. This has helped set the stage for the crisis we now face — and left us less able to discern how we might recover from it.
THE DEMISE OF AMERICAN EXCEPTIONALISM
A healthy financial system is crucial to any working market economy. Widespread access to finance is essential to harnessing the best talents and allowing them to prosper and grow. It is crucial for drawing new entrants into the system, and for fostering competition. The system that allocates finance allocates power and rents; if that system is not fair, there is little hope that the rest of the economy can be. And the potential for unfairness or abuse in the financial system is always great.
Americans have long been sensitive to such abuse. While we have historically avoided general anti-capitalist biases, Americans have nonetheless nurtured something of a populist anti-finance bias. This bias has led to many political decisions throughout American history that were inefficient from an economic point of view, but helped preserve the long-term health of America's democratic capitalism. In the late 1830s, President Andrew Jackson opposed renewing the charter of the Second Bank of the United States — a move that contributed to the panic of 1837 — because he saw the bank as an instrument of political corruption and a threat to American liberties. An investigation he initiated established "beyond question that this great and powerful institution had been actively engaged in attempting to influence the elections of the public officers by means of its money."
Throughout much of American history, state bank regulations were driven by concerns about the power of New York banks over the rest of the country, and the fear that big banks drained deposits from the countryside in order to redirect them to the cities. To address these fears, states introduced a variety of restrictions: from unit banking (banks could have only one office), to limits on intrastate branching (banks from northern Illinois could not open branches in southern Illinois), to limits on interstate branching (New York banks could not open branches in other states). From a purely economic point of view, all of these restrictions were crazy. They forced a reinvestment of deposits in the same areas where they were collected, badly distorting the allocation of funds. And by preventing banks from expanding, these regulations made banks less diversified and thus more prone to failure. Nevertheless, these policies had a positive side effect: They splintered the banking sector, reducing its political power and in so doing creating the preconditions for a vibrant securities market.
Even the separation between investment banking and commercial banking introduced by the New Deal's Glass-Steagall Act was a product of this longstanding American tradition. Unlike many other banking regulations, Glass-Steagall at least had an economic rationale: to prevent commercial banks from exploiting their depositors by dumping on them the bonds of firms to which the banks had lent money, but which could not repay the loans. The Glass-Steagall Act's biggest consequence, though, was the fragmentation it caused — which helped reduce the concentration of the banking industry and, by creating divergent interests in different parts of the financial sector, helped reduce its political power.
In the last three decades, these arrangements were completely overturned, starting with the progressive deregulation of the banking sector. The restrictions imposed by state regulations were highly inefficient to begin with, but over the years technological and financial progress made them absolutely untenable. What good does it do to restrict branching when banks can set up ATMs throughout the country? How effectively can a prohibition on intrastate branching block the redistribution of deposits, when non-integrated banks can reallocate them through the interbank market?
So starting in the late 1970s, state bank regulations were relaxed or eliminated, increasing the efficiency of the banking sector and fostering economic growth. But the move also increased concentration. In 1980, there were 14,434 banks in the United States, about the same number as in 1934. By 1990, this number had dropped to 12,347; by 2000, to 8,315. In 2009, the number stands below 7,100. Most important, the concentration of deposits and lending grew significantly. In 1984, the top five U.S. banks controlled only 9% of the total deposits in the banking sector. By 2001, this percentage had increased to 21%, and by the end of 2008, close to 40%.
The apex of this process was the 1999 passage of the Gramm-Leach-Bliley Act, which repealed the restrictions imposed by Glass-Steagall. Gramm-Leach-Bliley has been wrongly accused of playing a major role in the current financial crisis; in fact, it had little to nothing to do with it. The major institutions that failed or were bailed out in the last two years were pure investment banks — such as Lehman Brothers, Bear Stearns, and Merrill Lynch — that did not take advantage of the repeal of Glass-Steagall; or they were pure commercial banks, like Wachovia and Washington Mutual. The only exception is Citigroup, which had merged its commercial and investment operations even before the Gramm-Leach-Bliley Act, thanks to a special exemption.
The real effect of Gramm-Leach-Bliley was political, not directly economic. Under the old regime, commercial banks, investment banks, and insurance companies had different agendas, and so their lobbying efforts tended to offset one another. But after the restrictions were lifted, the interests of all the major players in the financial industry became aligned, giving the industry disproportionate power in shaping the political agenda. The concentration of the banking industry only added to this power.
The last and most important source of the finance industry's growing power was its profitability, at least on the books. In the 1960s, the share of GDP produced by the finance sector amounted to a little more than 3%. By the mid-2000s, it was more than 8%. This expansion was driven by a rapid increase not only in profits, but also in wages. In 1980, the relative wage of a worker in the finance sector was roughly comparable to the wages of other workers with the same qualifications in other sectors. By 2007, the person in the finance sector was making 70% more. Every attempt to explain this gap using differences in abilities, or the inherent demands of the work, falls short. People working in finance were simply making significantly more than everybody else.
This enormous profitability allowed the industry to spend disproportionate amounts of money lobbying the political system. In the last 20 years, the financial industry has made $2.2 billion in political contributions, more than any other industry tracked by the Center for Responsive Politics. And over the last ten years, the financial industry topped the lobbying-expenses list, spending $3.5 billion.
The explosion of wages and profits in finance also naturally attracted the best talents — with implications that extended beyond the financial sector, and deep into government. Thirty years ago, the brightest undergraduates were going into science, technology, law, and business; for the last 20 years, they have gone to finance. Having devoted themselves to this sector, these talented individuals inevitably end up working to advance its interests: A person specialized in derivative trading is likely to be terribly impressed with the importance and value of derivatives, just as a nuclear engineer is likely to think nuclear power can solve all the world's problems. And if most of the political elite were picked from among nuclear engineers, it would be only natural that the country would soon fill with nuclear plants. In fact, we have an example of precisely this scenario in France, where for complicated cultural reasons an unusually large portion of the political elite is trained in engineering at the École Polytechnique — and France derives more of its energy from nuclear power than any other nation.
A similar effect is evident with finance in America. The proportion of people with training and experience in finance working at the highest levels of every recent presidential administration is extraordinary. Four of the last six secretaries of Treasury fit this description. In fact, all four were directly or indirectly connected to one firm: Goldman Sachs. This is hardly the historical norm; of the previous six Treasury secretaries, only one had a finance background. And finance-trained executives staff not only the Treasury but many senior White House posts and key positions in numerous other departments. President Barack Obama's chief of staff, Rahm Emanuel, once worked for an investment bank, as did his predecessor under President George W. Bush, Joshua Bolten.
There is nothing intrinsically bad about these developments. In fact, it is only natural that a government in search of the brightest people will end up poaching from the finance world, to which the best and brightest have flocked. The problem is that people who have spent their entire lives in finance have an understandable tendency to think that the interests of their industry and the interests of the country always coincide. When Treasury Secretary Henry Paulson went to Congress last fall arguing that the world as we knew it would end if Congress did not approve the $700 billion bailout, he was serious and speaking in good faith. And to an extent he was right: His world — the world he lived and worked in — would have ended had there not been a bailout. Goldman Sachs would have gone bankrupt, and the repercussions for everyone he knew would have been enormous. But Henry Paulson's world is not the world most Americans live in — or even the world in which our economy as a whole exists. Whether that world would have ended without Congress's bailout was a far more debatable proposition; unfortunately, that debate never took place.
Compounding the problem is the fact that people in government tend to rely on their networks of trusted friends to gather information "from the outside." If everyone in those networks is drawn from the same milieu, the information and ideas that flow to policymakers will be severely limited. A revealing anecdote comes from a Bush Treasury official, who noted that in the heat of the financial crisis, every time there was a phone call from Manhattan's 212 area code, the message was the same: "Buy the toxic assets." Such uniformity of advice makes it difficult for even the most intelligent or well-meaning policymakers to arrive at the right decisions.
THE VICIOUS CYCLE
The finance sector's increasing concentration and growing political muscle have undermined the traditional American understanding of the difference between free markets and big business. This means not only that the interests of finance now dominate the economic understanding of policymakers, but also — and perhaps more important — that the public's perception of the economic system's legitimacy is at risk.
If the free-market system is politically fragile, its most fragile component is precisely the financial industry. It is so fragile because it relies entirely on the sanctity of contracts and the rule of law, and that sanctity cannot be preserved without broad popular support. When people are angry to the point of threatening the lives of bankers; when the majority of Americans are demanding government intervention not only to regulate the financial industry but to control the way companies are run; when voters lose confidence in the economic system because they perceive it as fundamentally corrupt — then the sanctity of private property becomes threatened as well. And when property rights are not protected, the survival of an effective financial sector, and with it a thriving economy, is in doubt.
The government's involvement in the financial sector in the wake of the crisis — and particularly the bailouts of large banks and other institutions — has exacerbated this problem. Public mistrust of government has combined with mistrust of bankers, and concerns about the waste of taxpayer dollars have been joined to worries about rewarding those who caused the mess on Wall Street. In response, politicians have tried to save themselves by turning against the finance sector with a vengeance. That the House of Representatives approved a proposal to retroactively tax 90% of all bonuses paid by financial institutions receiving TARP money shows how dangerous this combination of backlash and demagoguery can be.
Fortunately, that particular proposal never became law. But the anti-finance climate that produced it greatly contributed, for instance, to the expropriation of Chrysler's secured creditors this spring. By singling out and publicly condemning the Chrysler creditors who demanded that their contractual rights be respected, President Obama effectively exploited public resentment to reduce the government's costs in the Chrysler bailout. But the cost-cutting came at the expense of current investors, and sent a signal to all potential future investors. While Obama's approach was convenient in the short term, it could prove devastating to the market system over time: The protection afforded to secured creditors is crucial in making credit available to firms in financial distress and even in Chapter 11. The Chrysler precedent will jeopardize access to such financing in the future, particularly for the firms most in need, and so will increase the pressure for yet more government involvement.
The pattern that has taken hold in the wake of the financial crisis thus threatens to initiate a vicious cycle. To avoid being linked in the public mind with the companies they are working to help, politicians take part in and encourage the assault on finance; this scares off legitimate investors, no longer certain they can count on contracts and the rule of law. And this, in turn, leaves little recourse for troubled businesses but to seek government assistance.
It is no coincidence that shortly after bashing Wall Street executives for their greed, the administration set up the most generous form of subsidy ever invented for Wall Street. The Public-Private Investment Program, announced in March by Treasury Secretary Timothy Geithner, provides $84 of government-subsidized loans and $7 of government equity for every $7 of private equity invested in the purchase of toxic assets. The terms are so generous that the private investors essentially receive a subsidy of $2 for every dollar they put in.
If these terms are "justified" by the uncertainty stemming from the populist backlash, they also exacerbate the conditions that generated the backlash in the first place — confirming the sense that government and large market players are cooperating at the expense of the taxpayer and the small investor. If the Public-Private Investment Program works, the very people who created the problem stand to grow fabulously rich with government help — which will surely do no good for the public's impression of American capitalism.
This is just the unhealthy cycle in which capitalism is trapped in most countries around the world. On one hand, entrepreneurs and financiers feel threatened by public hostility, and thus justified in seeking special privileges from the government. On the other hand, ordinary citizens feel outraged by the privileges the entrepreneurs and financiers receive, inflaming that very hostility. For anyone acquainted with the character of capitalism around the world, this moment in America feels eerily familiar.
THE FUTURE OF AMERICAN CAPITALISM
We thus stand at a crossroads for American capitalism. One path would channel popular rage into political support for some genuinely pro-market reforms, even if they do not serve the interests of large financial firms. By appealing to the best of the populist tradition, we can introduce limits to the power of the financial industry — or any business, for that matter — and restore those fundamental principles that give an ethical dimension to capitalism: freedom, meritocracy, a direct link between reward and effort, and a sense of responsibility that ensures that those who reap the gains also bear the losses. This would mean abandoning the notion that any firm is too big to fail, and putting rules in place that keep large financial firms from manipulating government connections to the detriment of markets. It would mean adopting a pro-market, rather than pro-business, approach to the economy.
The alternative path is to soothe the popular rage with measures like limits on executive bonuses while shoring up the position of the largest financial players, making them dependent on government and making the larger economy dependent on them. Such measures play to the crowd in the moment, but threaten the financial system and the public standing of American capitalism in the long run. They also reinforce the very practices that caused the crisis. This is the path to big-business capitalism: a path that blurs the distinction between pro-market and pro-business policies, and so imperils the unique faith the American people have long displayed in the legitimacy of democratic capitalism.
Unfortunately, it looks for now like the Obama administration has chosen this latter path. It is a choice that threatens to launch us on that vicious spiral of more public resentment and more corporatist crony capitalism so common abroad — trampling in the process the economic exceptionalism that has been so crucial for American prosperity. When the dust has cleared and the panic has abated, this may well turn out to be the most serious and damaging consequence of the financial crisis for American capitalism.
LUIGI ZINGALES
The economic crisis of the past year, centered as it has been in the financial sector that lies at the heart of American capitalism, is bound to leave some lasting marks. Financial regulation, the role of large banks, and the relationships between the government and key players in the market will never be the same.
More important, however, are the ways in which public attitudes about our system might change. The nature of the crisis, and of the government's response, now threaten to undermine the public's sense of the fairness, justice, and legitimacy of democratic capitalism. By allowing the conditions that made the crisis possible (particularly the concentration of power in a few large institutions), and by responding to the crisis as we have (especially with massive government bailouts of banks and large corporations), the United States today risks moving in the direction of European corporatism and the crony capitalism of more statist regimes. This, in turn, endangers America's unique brand of capitalism, which has thus far avoided becoming associated in the public mind with entrenched corruption, and has therefore kept this country relatively free of populist anti-capitalist sentiment.
Are such changes now beginning? And if so, will they mark only a temporary reaction to an extreme economic downturn, or a deeper and more damaging shift in American attitudes? Some early indications are not encouraging.
SOAK THE RICH
A friend of mine worked as a consultant for the now-infamous insurance giant American International Group. To prevent him from starting his own hedge fund, AIG offered him a non-compete agreement: a sum of money meant to compensate him for the opportunity forgone. It is a perfectly standard and well-regarded practice — but unfortunately for my friend, his payment under this agreement was to be made at the end of 2008. So he spent the early months of 2009 living in terror: His contract was classified as one of the notorious AIG retention bonuses. At the height of the fury against those bonuses, he received several death threats. Though he had no legal obligation to do so, he returned the money to the company, hoping that the gesture might keep his name from being published in the papers. In case that failed to protect him, he prepared a plan to evacuate his wife and children. It was the responsible thing to do; after all, angry protestors had staked out the homes of several AIG executives whose names appeared in print — and only luck had prevented someone from getting hurt.
While such extreme episodes have, fortunately, been quite rare, they are symptomatic of a broad discontent. In one recent survey, 65% of Americans said the government should cap executive compensation by large corporations, while 60% wanted the government to intervene to improve the way corporations are run. And those views hardly reflect confidence in the government: Only 5% of Americans in the same poll said they trust the government a lot, while 30% said they do not trust it at all. It is just that, at the moment, Americans trust large corporations even less: Fewer than one out of every 30 Americans say they trust them a lot, while one of every three Americans claims not to trust large corporations at all.
These attitudes are familiar to students of public opinion in much of the world. But they are quite unusual for the United States. Until recently, Americans stood out for their acceptance of basic market principles and even for their tolerance of some of the negative side effects markets produce, such as marked income inequality.
Capitalism has long enjoyed exceptionally strong public support in the United States because America's form of capitalism has long been distinct from those found elsewhere in the world — particularly because of its uniquely open and free market system. Capitalism calls not only for freedom of enterprise, but for rules and policies that allow for freedom of entry, that facilitate access to financial resources for newcomers, and that maintain a level playing field among competitors. The United States has generally come closest to this ideal combination — which is no small feat, since economic pressures and incentives do not naturally point to such a balance of policies. While everyone benefits from a free and competitive market, no one in particular makes huge profits from keeping the system competitive and the playing field level. True capitalism lacks a strong lobby.
That assertion might appear strange in light of the billions of dollars firms spend lobbying Congress in America, but that is exactly the point. Most lobbying seeks to tilt the playing field in one direction or another, not to level it. Most lobbying is pro-business, in the sense that it promotes the interests of existing businesses, not pro-market in the sense of fostering truly free and open competition. Open competition forces established firms to prove their competence again and again; strong successful market players therefore often use their muscle to restrict such competition, and to strengthen their positions. As a result, serious tensions emerge between a pro-market agenda and a pro-business one, though American capitalism has always managed this tension far better than most.
THE AMERICAN EXCEPTION
In a recent study, Rafael Di Tella and Robert MacCulloch showed that public support for capitalism in any given country is positively associated with the perception that hard work, not luck, determines success, and is negatively correlated with the perception of corruption. These correlations go a long way toward explaining public support for America's capitalist system. According to one recent study, only 40% of Americans think that luck rather than hard work plays a major role in income differences. Compare that with the 75% of Brazilians who think that income disparities are mostly a matter of luck, or the 66% of Danes and 54% of Germans who do, and you begin to get a sense of why American attitudes toward the free-market system stand out.
Some scholars argue that this perception of capitalism's legitimacy is merely the result of a successful propaganda campaign for the American Dream — a myth embedded in American culture, but not necessarily tied to reality. And it is true that the data yield scant evidence that social mobility is higher across the board in the United States than in other developed countries. But while this difference does not show up in the aggregate statistics, it is powerfully present at the top of the distribution — which often gets the most attention, and most shapes people's attitudes. Even before the internet boom created many young billionaires, in 1996, one in four billionaires in the United States could be described as "self-made" — compared to just one out of ten in Germany. And the wealthiest self-made American billionaires — from Bill Gates and Michael Dell to Warren Buffett and Mark Zuckerberg — have made their fortunes in competitive businesses, with little or no government interference or help.
The same cannot be said for most other countries, where the wealthiest people tend to accumulate their fortunes in regulated businesses in which government connections are crucial to success. Think about the oligarchs in Russia, Silvio Berlusconi in Italy, Carlos Slim in Mexico, and even the biggest tycoons in Hong Kong. They made their fortunes in businesses that are highly dependent on governmental concessions: energy, real estate, telecommunications, mining. Success in these businesses often depends more on having the right connections than on having initiative and enterprise.
In most of the world, the best way to make money is not to come up with brilliant ideas and work hard at implementing them, but to cultivate a government connection. Such cronyism is bound to shape public attitudes about a country's economic system. When asked in a recent study to name the most important determinants of financial success, Italian managers put "knowledge of influential people" in first place (80% considered it "important" or "very important"). "Competence and experience" ranked fifth, behind characteristics such as "loyalty and obedience."
These divergent paths to prosperity reveal more than a difference of perception. American capitalism really is quite distinct from its European counterparts, for reasons that reach deep into history.
THE ROOTS OF AMERICAN CAPITALISM
In America, unlike much of the rest of the West, democracy predates industrialization. By the time of the Second Industrial Revolution in the latter part of the 19th century, the United States had already enjoyed several decades of universal (male) suffrage, and several decades of widespread education. This created a public with high expectations, unlikely to tolerate evident unfairness in economic policy. It is no coincidence that the very concept of anti-trust law — a pro-market but sometimes anti-business idea — was developed in the United States at the end of the 19th century and the beginning of the 20th. It is also no coincidence that in the early part of the 20th century, fueled by an inquisitive press and a populist (but not anti-market) political movement, the United States experienced a rise in regulation aimed at reducing the power of big business. Unlike in Europe — where the most vibrant opposition to the excesses of business came from socialist anti-market movements — in the United States this opposition was squarely pro-market. When Louis Brandeis attacked the money trust, he was not fundamentally trying to interfere with markets — only trying to make them work better. As a result, Americans have long understood that the interests of the market and the interests of business may not always be aligned.
American capitalism also developed at a time when government involvement in the economy was quite weak. At the beginning of the 20th century, when modern American capitalism was taking shape, U.S. government spending was only 6.8% of gross domestic product. After World War II, when modern capitalism really took shape in Western European countries, government spending in those countries was, on average, 30% of GDP. Until World War I, the United States had a tiny federal government compared to national governments in other countries. This was due in part to the fact that the U.S. faced no significant military threat to its existence, which allowed the government to spend a relatively small proportion of its budget on the military. The federalist nature of the American regime also did its part to limit the size of the national government.
When the government is small and relatively weak, the way to make money is to start a successful private-sector business. But the larger the size and scope of government spending, the easier it is to make money by diverting public resources. Starting a business is difficult and involves a lot of risk — but getting a government favor or contract is easier, and a much safer bet. And so in nations with large and powerful governments, the state tends to find itself at the heart of the economic system, even if that system is relatively capitalist. This tends to confound politics and economics, both in practice and in public perceptions: The larger the share of capitalists who acquire their wealth thanks to their political connections, the greater the perception that capitalism is unfair and corrupt.
Another distinguishing feature of American capitalism is that it developed relatively untouched by foreign influence. Although European (and especially British) capital played a significant role in America's 19th- and early 20th-century economic development, Europe's economies were not more developed than America's — and so while European capitalists could invest in or compete with American companies, they could not dominate the system. As a result, American capitalism developed more or less organically, and still shows the marks of those origins. The American bankruptcy code, for instance, exhibits significant pro-debtor biases, because the United States was born and developed as a nation of debtors.
The situation is very different in nations that developed capitalist economies after World War II. These countries (in non-Soviet-bloc continental Europe, parts of Asia, and much of Latin America) industrialized under the giant shadow of American power. In this development process, the local elites felt threatened by the prospect of economic colonization by American companies that were far more efficient and better capitalized. To protect themselves, they purposely built a non-transparent system in which local connections were important, because this gave them an inherent advantage. These structures have proven resilient in the decades since: Once economic and political systems are built to reward relationships instead of efficiency, it is very difficult to reform them, since the people in power are the ones who would lose most in the change.
Finally, the United States was able to develop a pro-market agenda distinct from a pro-business agenda because it was largely spared the direct influence of Marxism. It is possible that the type of capitalism the United States developed is the cause, as much as the effect, of the absence of strong Marxist movements in this country. But either way, this distinction from other Western regimes was significant in the development of American attitudes toward economics. In countries with prominent and influential Marxist parties, pro-market and pro-business forces were compelled to merge to fight the common enemy. If one faces the prospect of nationalization (i.e., the control of resources by a small political elite), even relationship capitalism (which involves control of those resources by a small business elite) becomes an appealing alternative.
As a result, many of these countries could not develop a more competitive and open form of capitalism because they could not afford to divide the opposition to Marxism. Worse, the free-market banner was completely appropriated by the pro-business forces, which were better equipped and better fed. Paradoxically, as the appeal of Marxist ideas faded, this problem in many of these countries became worse, not better. After decades of contiguity and capture, the pro-market forces could not separate themselves from the pro-business camp. Having lost the ideological opposition of Marxism and lacking any opposition from pro-market ideology, pro-business forces ruled unchecked. In no country is this more evident than in Italy, where the pro-market movement today is almost literally owned by a businessman, Prime Minister Silvio Berlusconi, who often seems to run the country in the interest of his media empire.
For all these reasons, the United States developed a system of capitalism that comes closer than any other to the ideal combination of economic freedom and open competition. The image many Americans have of capitalism is therefore that of Horatio Alger's rags-to-riches-via-hard-work stories, which have come to define the American Dream. By contrast, in most of the rest of the world, Horatio Alger is unknown — and the image of social mobility is dominated by Cinderella or Evita stories: fantasies more than plausible dreams. This understanding of opportunity has helped make capitalism popular and secure in the United States.
But because the free-market system relies on this public support, and this support depends to a certain extent on the public's impression that the system is fair, any erosion of that impression threatens the system itself. Such erosion occurs when government connections, or the power of entrenched incumbents in the market, seem to overtake genuine free and fair competition as the paths to wealth and success. Both government and big business have strong incentives to push the system in this direction, and therefore both, if left unchecked, pose a threat to America's distinctive form of capitalism.
Although the United States has the great advantage of having started from a superior model of capitalism and having developed an ideology to support it, our system is still vulnerable to these pressures — and not only in a crisis. Even the most persuasive and resilient ideology cannot long outlive the conditions and reasoning that generated it. American capitalism needs vocal defenders who understand the threats it faces — and who can make its case to the public. But in the last 30 years, as the threat of global communism has waned and disappeared, capitalism's defenders have grown fewer, while the temptations of corporatism have grown greater. This has helped set the stage for the crisis we now face — and left us less able to discern how we might recover from it.
THE DEMISE OF AMERICAN EXCEPTIONALISM
A healthy financial system is crucial to any working market economy. Widespread access to finance is essential to harnessing the best talents and allowing them to prosper and grow. It is crucial for drawing new entrants into the system, and for fostering competition. The system that allocates finance allocates power and rents; if that system is not fair, there is little hope that the rest of the economy can be. And the potential for unfairness or abuse in the financial system is always great.
Americans have long been sensitive to such abuse. While we have historically avoided general anti-capitalist biases, Americans have nonetheless nurtured something of a populist anti-finance bias. This bias has led to many political decisions throughout American history that were inefficient from an economic point of view, but helped preserve the long-term health of America's democratic capitalism. In the late 1830s, President Andrew Jackson opposed renewing the charter of the Second Bank of the United States — a move that contributed to the panic of 1837 — because he saw the bank as an instrument of political corruption and a threat to American liberties. An investigation he initiated established "beyond question that this great and powerful institution had been actively engaged in attempting to influence the elections of the public officers by means of its money."
Throughout much of American history, state bank regulations were driven by concerns about the power of New York banks over the rest of the country, and the fear that big banks drained deposits from the countryside in order to redirect them to the cities. To address these fears, states introduced a variety of restrictions: from unit banking (banks could have only one office), to limits on intrastate branching (banks from northern Illinois could not open branches in southern Illinois), to limits on interstate branching (New York banks could not open branches in other states). From a purely economic point of view, all of these restrictions were crazy. They forced a reinvestment of deposits in the same areas where they were collected, badly distorting the allocation of funds. And by preventing banks from expanding, these regulations made banks less diversified and thus more prone to failure. Nevertheless, these policies had a positive side effect: They splintered the banking sector, reducing its political power and in so doing creating the preconditions for a vibrant securities market.
Even the separation between investment banking and commercial banking introduced by the New Deal's Glass-Steagall Act was a product of this longstanding American tradition. Unlike many other banking regulations, Glass-Steagall at least had an economic rationale: to prevent commercial banks from exploiting their depositors by dumping on them the bonds of firms to which the banks had lent money, but which could not repay the loans. The Glass-Steagall Act's biggest consequence, though, was the fragmentation it caused — which helped reduce the concentration of the banking industry and, by creating divergent interests in different parts of the financial sector, helped reduce its political power.
In the last three decades, these arrangements were completely overturned, starting with the progressive deregulation of the banking sector. The restrictions imposed by state regulations were highly inefficient to begin with, but over the years technological and financial progress made them absolutely untenable. What good does it do to restrict branching when banks can set up ATMs throughout the country? How effectively can a prohibition on intrastate branching block the redistribution of deposits, when non-integrated banks can reallocate them through the interbank market?
So starting in the late 1970s, state bank regulations were relaxed or eliminated, increasing the efficiency of the banking sector and fostering economic growth. But the move also increased concentration. In 1980, there were 14,434 banks in the United States, about the same number as in 1934. By 1990, this number had dropped to 12,347; by 2000, to 8,315. In 2009, the number stands below 7,100. Most important, the concentration of deposits and lending grew significantly. In 1984, the top five U.S. banks controlled only 9% of the total deposits in the banking sector. By 2001, this percentage had increased to 21%, and by the end of 2008, close to 40%.
The apex of this process was the 1999 passage of the Gramm-Leach-Bliley Act, which repealed the restrictions imposed by Glass-Steagall. Gramm-Leach-Bliley has been wrongly accused of playing a major role in the current financial crisis; in fact, it had little to nothing to do with it. The major institutions that failed or were bailed out in the last two years were pure investment banks — such as Lehman Brothers, Bear Stearns, and Merrill Lynch — that did not take advantage of the repeal of Glass-Steagall; or they were pure commercial banks, like Wachovia and Washington Mutual. The only exception is Citigroup, which had merged its commercial and investment operations even before the Gramm-Leach-Bliley Act, thanks to a special exemption.
The real effect of Gramm-Leach-Bliley was political, not directly economic. Under the old regime, commercial banks, investment banks, and insurance companies had different agendas, and so their lobbying efforts tended to offset one another. But after the restrictions were lifted, the interests of all the major players in the financial industry became aligned, giving the industry disproportionate power in shaping the political agenda. The concentration of the banking industry only added to this power.
The last and most important source of the finance industry's growing power was its profitability, at least on the books. In the 1960s, the share of GDP produced by the finance sector amounted to a little more than 3%. By the mid-2000s, it was more than 8%. This expansion was driven by a rapid increase not only in profits, but also in wages. In 1980, the relative wage of a worker in the finance sector was roughly comparable to the wages of other workers with the same qualifications in other sectors. By 2007, the person in the finance sector was making 70% more. Every attempt to explain this gap using differences in abilities, or the inherent demands of the work, falls short. People working in finance were simply making significantly more than everybody else.
This enormous profitability allowed the industry to spend disproportionate amounts of money lobbying the political system. In the last 20 years, the financial industry has made $2.2 billion in political contributions, more than any other industry tracked by the Center for Responsive Politics. And over the last ten years, the financial industry topped the lobbying-expenses list, spending $3.5 billion.
The explosion of wages and profits in finance also naturally attracted the best talents — with implications that extended beyond the financial sector, and deep into government. Thirty years ago, the brightest undergraduates were going into science, technology, law, and business; for the last 20 years, they have gone to finance. Having devoted themselves to this sector, these talented individuals inevitably end up working to advance its interests: A person specialized in derivative trading is likely to be terribly impressed with the importance and value of derivatives, just as a nuclear engineer is likely to think nuclear power can solve all the world's problems. And if most of the political elite were picked from among nuclear engineers, it would be only natural that the country would soon fill with nuclear plants. In fact, we have an example of precisely this scenario in France, where for complicated cultural reasons an unusually large portion of the political elite is trained in engineering at the École Polytechnique — and France derives more of its energy from nuclear power than any other nation.
A similar effect is evident with finance in America. The proportion of people with training and experience in finance working at the highest levels of every recent presidential administration is extraordinary. Four of the last six secretaries of Treasury fit this description. In fact, all four were directly or indirectly connected to one firm: Goldman Sachs. This is hardly the historical norm; of the previous six Treasury secretaries, only one had a finance background. And finance-trained executives staff not only the Treasury but many senior White House posts and key positions in numerous other departments. President Barack Obama's chief of staff, Rahm Emanuel, once worked for an investment bank, as did his predecessor under President George W. Bush, Joshua Bolten.
There is nothing intrinsically bad about these developments. In fact, it is only natural that a government in search of the brightest people will end up poaching from the finance world, to which the best and brightest have flocked. The problem is that people who have spent their entire lives in finance have an understandable tendency to think that the interests of their industry and the interests of the country always coincide. When Treasury Secretary Henry Paulson went to Congress last fall arguing that the world as we knew it would end if Congress did not approve the $700 billion bailout, he was serious and speaking in good faith. And to an extent he was right: His world — the world he lived and worked in — would have ended had there not been a bailout. Goldman Sachs would have gone bankrupt, and the repercussions for everyone he knew would have been enormous. But Henry Paulson's world is not the world most Americans live in — or even the world in which our economy as a whole exists. Whether that world would have ended without Congress's bailout was a far more debatable proposition; unfortunately, that debate never took place.
Compounding the problem is the fact that people in government tend to rely on their networks of trusted friends to gather information "from the outside." If everyone in those networks is drawn from the same milieu, the information and ideas that flow to policymakers will be severely limited. A revealing anecdote comes from a Bush Treasury official, who noted that in the heat of the financial crisis, every time there was a phone call from Manhattan's 212 area code, the message was the same: "Buy the toxic assets." Such uniformity of advice makes it difficult for even the most intelligent or well-meaning policymakers to arrive at the right decisions.
THE VICIOUS CYCLE
The finance sector's increasing concentration and growing political muscle have undermined the traditional American understanding of the difference between free markets and big business. This means not only that the interests of finance now dominate the economic understanding of policymakers, but also — and perhaps more important — that the public's perception of the economic system's legitimacy is at risk.
If the free-market system is politically fragile, its most fragile component is precisely the financial industry. It is so fragile because it relies entirely on the sanctity of contracts and the rule of law, and that sanctity cannot be preserved without broad popular support. When people are angry to the point of threatening the lives of bankers; when the majority of Americans are demanding government intervention not only to regulate the financial industry but to control the way companies are run; when voters lose confidence in the economic system because they perceive it as fundamentally corrupt — then the sanctity of private property becomes threatened as well. And when property rights are not protected, the survival of an effective financial sector, and with it a thriving economy, is in doubt.
The government's involvement in the financial sector in the wake of the crisis — and particularly the bailouts of large banks and other institutions — has exacerbated this problem. Public mistrust of government has combined with mistrust of bankers, and concerns about the waste of taxpayer dollars have been joined to worries about rewarding those who caused the mess on Wall Street. In response, politicians have tried to save themselves by turning against the finance sector with a vengeance. That the House of Representatives approved a proposal to retroactively tax 90% of all bonuses paid by financial institutions receiving TARP money shows how dangerous this combination of backlash and demagoguery can be.
Fortunately, that particular proposal never became law. But the anti-finance climate that produced it greatly contributed, for instance, to the expropriation of Chrysler's secured creditors this spring. By singling out and publicly condemning the Chrysler creditors who demanded that their contractual rights be respected, President Obama effectively exploited public resentment to reduce the government's costs in the Chrysler bailout. But the cost-cutting came at the expense of current investors, and sent a signal to all potential future investors. While Obama's approach was convenient in the short term, it could prove devastating to the market system over time: The protection afforded to secured creditors is crucial in making credit available to firms in financial distress and even in Chapter 11. The Chrysler precedent will jeopardize access to such financing in the future, particularly for the firms most in need, and so will increase the pressure for yet more government involvement.
The pattern that has taken hold in the wake of the financial crisis thus threatens to initiate a vicious cycle. To avoid being linked in the public mind with the companies they are working to help, politicians take part in and encourage the assault on finance; this scares off legitimate investors, no longer certain they can count on contracts and the rule of law. And this, in turn, leaves little recourse for troubled businesses but to seek government assistance.
It is no coincidence that shortly after bashing Wall Street executives for their greed, the administration set up the most generous form of subsidy ever invented for Wall Street. The Public-Private Investment Program, announced in March by Treasury Secretary Timothy Geithner, provides $84 of government-subsidized loans and $7 of government equity for every $7 of private equity invested in the purchase of toxic assets. The terms are so generous that the private investors essentially receive a subsidy of $2 for every dollar they put in.
If these terms are "justified" by the uncertainty stemming from the populist backlash, they also exacerbate the conditions that generated the backlash in the first place — confirming the sense that government and large market players are cooperating at the expense of the taxpayer and the small investor. If the Public-Private Investment Program works, the very people who created the problem stand to grow fabulously rich with government help — which will surely do no good for the public's impression of American capitalism.
This is just the unhealthy cycle in which capitalism is trapped in most countries around the world. On one hand, entrepreneurs and financiers feel threatened by public hostility, and thus justified in seeking special privileges from the government. On the other hand, ordinary citizens feel outraged by the privileges the entrepreneurs and financiers receive, inflaming that very hostility. For anyone acquainted with the character of capitalism around the world, this moment in America feels eerily familiar.
THE FUTURE OF AMERICAN CAPITALISM
We thus stand at a crossroads for American capitalism. One path would channel popular rage into political support for some genuinely pro-market reforms, even if they do not serve the interests of large financial firms. By appealing to the best of the populist tradition, we can introduce limits to the power of the financial industry — or any business, for that matter — and restore those fundamental principles that give an ethical dimension to capitalism: freedom, meritocracy, a direct link between reward and effort, and a sense of responsibility that ensures that those who reap the gains also bear the losses. This would mean abandoning the notion that any firm is too big to fail, and putting rules in place that keep large financial firms from manipulating government connections to the detriment of markets. It would mean adopting a pro-market, rather than pro-business, approach to the economy.
The alternative path is to soothe the popular rage with measures like limits on executive bonuses while shoring up the position of the largest financial players, making them dependent on government and making the larger economy dependent on them. Such measures play to the crowd in the moment, but threaten the financial system and the public standing of American capitalism in the long run. They also reinforce the very practices that caused the crisis. This is the path to big-business capitalism: a path that blurs the distinction between pro-market and pro-business policies, and so imperils the unique faith the American people have long displayed in the legitimacy of democratic capitalism.
Unfortunately, it looks for now like the Obama administration has chosen this latter path. It is a choice that threatens to launch us on that vicious spiral of more public resentment and more corporatist crony capitalism so common abroad — trampling in the process the economic exceptionalism that has been so crucial for American prosperity. When the dust has cleared and the panic has abated, this may well turn out to be the most serious and damaging consequence of the financial crisis for American capitalism.
segunda-feira, outubro 26, 2009
543) Inconstitucionalidades no pre-sal - Rolf Kuntz
LUÍS INÁCIO XIV
Rolf Kuntz*
O ESTADO DE SÃO PAULO – 22 outubro 2009
Ninguém se iluda. O Estado forte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assunto de mais uma de suas arengas, na posse do novo ministro de Assuntos Estratégicos, não se confunde com a ordem política legal e impessoal típica da modernidade. Lula não distingue entre Estado e governo, não separa governo de partido, e seu partido se reduz cada vez mais à sua pessoa. Não há outra maneira de explicar seus surtos cada vez mais frequentes de auto consagração como instância suprema de todos os poderes – censor do Tribunal de Contas, limpador das teias de aranha da Constituição, zelador do pré-sal, comandante da Petrobrás, orientador da Vale,censor da Embraer e autor de todas as mudanças importantes na história do Brasil moderno.
Sem contar, é claro, seus conselhos a Barack Obama, sua indisfarçável intervenção nos assuntos internos de Honduras e sua cobrança de explicações ao presidente Álvaro Uribe sobre uma decisão soberana da Colômbia. A inegável inépcia do governo explica, sem dúvida, boa parte de seu fracasso na execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, de modo geral, o insucesso de seus programas de investimento, com desembolsos sempre muito abaixo dos valores orçados. Mas a incompetência, é preciso repetir, é apenas uma das causas dos tropeços. Outro fator, não menos importante, é a incapacidade de Lula e de seus auxiliares de aceitar instituições fundadas em regras impessoais e superiores ao arbítrio de um presidente da República.
Essa incapacidade se revela mais uma vez nos projetos sobre exploração do pré-sal. Há pelo menos cinco dispositivos inconstitucionais nesses projetos, segundo a Consultoria Legislativa do Senado. Os cinco pontos foram enumerados em reportagem publicada ontem no Estado (página B10). Juristas podem ter opiniões divergentes sobre o assunto e não faltará quem se disponha a defender a posição do governo. Mas para isso será preciso algum malabarismo. Pesquisa e lavra de recursos minerais “somente poderão ser efetuadas mediante autorização ou concessão da União”,segundo o parágrafo 1º do artigo 176 da Constituição. Será preciso anular o advérbio “somente”, ou interpretá-lo de modo muito inovador, para justificar a criação do contrato de partilha por meio de lei. Este é só um exemplo dos problemas apontados pela consultoria. Todos são facilmente visíveis, mesmo para o não especialista em direito constitucional.
Ninguém, na assessoria do Executivo, terá notado esses pontos vulneráveis? O aparente desleixo fica mais notável quando se considera o tempo gasto na elaboração dos projetos. O trabalho durou mais de um ano e as propostas foram discutidas em vários encontros pela cúpula do governo. Um dos conselheiros do presidente para assuntos legais era o seu candidato à primeira vaga no Supremo Tribunal Federal. Seu saber supostamente notório,uma das condições para a aprovação de seu nome, talvez tenha sido subutilizado nesse trabalho. Apesar da advertência da Consultoria Legislativa, talvez os congressistas acabem aprovando os projetos com poucas modificações e vários pontos duvidosos quanto à sua constitucionalidade. Qualquer previsão é insegura, neste momento, mas o desempenho recente dos congressistas autoriza todas as dúvidas. Este é um detalhe importante, porque as vocações autoritárias prosperam muito mais facilmente quando falha a resistência de quem representa as instituições.
Um governo preocupado com os meandros da lei teria produzido projetos muito mais cuidadosos para a regulação das operações do pré-sal.Seu desleixo recende a desprezo, tanto quanto a escancarada campanha eleitoral nas margens do São Francisco, as críticas ao Tribunal de Contas da União (TCU) e as tentativas de comandar as maiores empresas do País, sem distinguir sua condição privada ou estatal e sem respeitar os acionistas. O TCU apenas cumpre as funções de controle prescritas pela Constituição de 1988, disse o seu presidente, Ubiratan Aguiar, discursando diante de Lula – um dos constituintes, segundo lembrou. Lula de fato assinou a Constituição, mas naquele tempo ele não era o manda chuva e ainda não se apresentava como o fundador do Brasil moderno, progressista, soberano, justo e destinado a iluminar – com as luzes de seu grande líder, é claro – o caminho da nova ordem mundial. Quem mais poderia fazê-lo? Este é o cara, disse Obama. O Rei Sol teria morrido de inveja.
*Rolf Kuntz é jornalista
Rolf Kuntz*
O ESTADO DE SÃO PAULO – 22 outubro 2009
Ninguém se iluda. O Estado forte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assunto de mais uma de suas arengas, na posse do novo ministro de Assuntos Estratégicos, não se confunde com a ordem política legal e impessoal típica da modernidade. Lula não distingue entre Estado e governo, não separa governo de partido, e seu partido se reduz cada vez mais à sua pessoa. Não há outra maneira de explicar seus surtos cada vez mais frequentes de auto consagração como instância suprema de todos os poderes – censor do Tribunal de Contas, limpador das teias de aranha da Constituição, zelador do pré-sal, comandante da Petrobrás, orientador da Vale,censor da Embraer e autor de todas as mudanças importantes na história do Brasil moderno.
Sem contar, é claro, seus conselhos a Barack Obama, sua indisfarçável intervenção nos assuntos internos de Honduras e sua cobrança de explicações ao presidente Álvaro Uribe sobre uma decisão soberana da Colômbia. A inegável inépcia do governo explica, sem dúvida, boa parte de seu fracasso na execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, de modo geral, o insucesso de seus programas de investimento, com desembolsos sempre muito abaixo dos valores orçados. Mas a incompetência, é preciso repetir, é apenas uma das causas dos tropeços. Outro fator, não menos importante, é a incapacidade de Lula e de seus auxiliares de aceitar instituições fundadas em regras impessoais e superiores ao arbítrio de um presidente da República.
Essa incapacidade se revela mais uma vez nos projetos sobre exploração do pré-sal. Há pelo menos cinco dispositivos inconstitucionais nesses projetos, segundo a Consultoria Legislativa do Senado. Os cinco pontos foram enumerados em reportagem publicada ontem no Estado (página B10). Juristas podem ter opiniões divergentes sobre o assunto e não faltará quem se disponha a defender a posição do governo. Mas para isso será preciso algum malabarismo. Pesquisa e lavra de recursos minerais “somente poderão ser efetuadas mediante autorização ou concessão da União”,segundo o parágrafo 1º do artigo 176 da Constituição. Será preciso anular o advérbio “somente”, ou interpretá-lo de modo muito inovador, para justificar a criação do contrato de partilha por meio de lei. Este é só um exemplo dos problemas apontados pela consultoria. Todos são facilmente visíveis, mesmo para o não especialista em direito constitucional.
Ninguém, na assessoria do Executivo, terá notado esses pontos vulneráveis? O aparente desleixo fica mais notável quando se considera o tempo gasto na elaboração dos projetos. O trabalho durou mais de um ano e as propostas foram discutidas em vários encontros pela cúpula do governo. Um dos conselheiros do presidente para assuntos legais era o seu candidato à primeira vaga no Supremo Tribunal Federal. Seu saber supostamente notório,uma das condições para a aprovação de seu nome, talvez tenha sido subutilizado nesse trabalho. Apesar da advertência da Consultoria Legislativa, talvez os congressistas acabem aprovando os projetos com poucas modificações e vários pontos duvidosos quanto à sua constitucionalidade. Qualquer previsão é insegura, neste momento, mas o desempenho recente dos congressistas autoriza todas as dúvidas. Este é um detalhe importante, porque as vocações autoritárias prosperam muito mais facilmente quando falha a resistência de quem representa as instituições.
Um governo preocupado com os meandros da lei teria produzido projetos muito mais cuidadosos para a regulação das operações do pré-sal.Seu desleixo recende a desprezo, tanto quanto a escancarada campanha eleitoral nas margens do São Francisco, as críticas ao Tribunal de Contas da União (TCU) e as tentativas de comandar as maiores empresas do País, sem distinguir sua condição privada ou estatal e sem respeitar os acionistas. O TCU apenas cumpre as funções de controle prescritas pela Constituição de 1988, disse o seu presidente, Ubiratan Aguiar, discursando diante de Lula – um dos constituintes, segundo lembrou. Lula de fato assinou a Constituição, mas naquele tempo ele não era o manda chuva e ainda não se apresentava como o fundador do Brasil moderno, progressista, soberano, justo e destinado a iluminar – com as luzes de seu grande líder, é claro – o caminho da nova ordem mundial. Quem mais poderia fazê-lo? Este é o cara, disse Obama. O Rei Sol teria morrido de inveja.
*Rolf Kuntz é jornalista
542) (Des)Educacao no Brasil: Entrevista Secretario de Educacao de SP
Contra o corporativismo
Entrevista Paulo Renato Souza
Monica Weinberg
Revista Veja, 28.10.2009
O secretário da Educação de São Paulo diz que sem meritocracia não haverá avanços na sala de aula - e que os sindicatos são um entrave para o bom ensino
"É preciso premiar o esforço e o talento para tornar a carreira de professor atraente. O bom ensino depende disso"
Criar um sistema capaz de atrair os melhores alunos para a carreira de professor é imperativo para um ensino de alto nível. Daí a relevância da aprovação, na semana passada, de um projeto concebido pelo economista Paulo Renato Souza, 64 anos, secretário estadual da Educação em São Paulo. Trata-se de um plano de carreira para os professores inteiramente baseado na meritocracia, conceito ainda raro nas escolas brasileiras e repudiado pelos sindicatos, seus principais adversários. "Os sindicalistas são um freio de mão para o bom ensino", resume o ex-ministro da Educação no governo Fernando Henrique, que reconhece avanços na implantação dos rankings no Brasil e da cobrança de resultados com base neles, mas adverte: "É preciso discutir a educação com mais objetividade e menos ideologia".
Um relatório recente da OCDE mostra que o Brasil foi o país que mais aumentou o investimento na educação em proporção ao total dos gastos públicos - mas muitos se queixam de falta de dinheiro nas escolas. Estão certos?
O maior problema no Brasil não é a falta de dinheiro, mas como esses recursos são empregados - em geral, de maneira bastante ineficaz. Daria para obter resultados infinitamente superiores apenas fazendo melhor uso das verbas já existentes. Prova disso é que, com orçamento idêntico, algumas escolas públicas oferecem ensino de ótima qualidade e outras, de péssimo nível.
O que explica isso?
As boas são comandadas por diretores com uma visão moderna de gestão, coisa raríssima no país. Não existe no Brasil nada como um bom curso voltado para treinar esses profissionais a liderar equipes ou cobrar resultados, o básico para qualquer um que se pretenda gestor. Quem se sai bem na função de diretor, em geral, é porque tem algo como um dom inato para a chefia. A coisa funciona no improviso.
As avaliações sempre chamam atenção para o despreparo dos professores brasileiros. A que o senhor atribui isso?
Às universidades que pretendem formar professores, mas passam ao largo da prática da sala de aula. No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por se dedicar a questões mais teóricas. Acabam se perdendo em debates sobre o sistema capitalista cujo ideário predominante não passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria. O que se discute hoje nessas faculdades está muito distante de qualquer ideia que seja cientificamente aceita, mesmo dentro da própria ideologia marxista. É uma situação difícil de mudar. A resistência vem de universidades como USP e Unicamp, as maiores do país.
"Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor deve ter liberdade total para construir o conhecimento junto com seus alunos. Essa apologia da ausência de método só atrapalha"
Como isso se reflete nas escolas?
Muitos professores propagam em sala de aula uma visão pouco objetiva e ideológica do mundo. Alguns não dominam sequer o básico das matérias e outros, ainda que saibam o necessário, ignoram as técnicas para passar o conhecimento adiante. Vê-se nas escolas, inclusive, certa apologia da ausência de métodos de ensino. Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor deve ter liberdade total para construir
o conhecimento junto com seus alunos. É improdutivo e irracional. Qualquer ciência pressupõe um método. No ensino superior, há também inúmeras mostras de como a ideologia pode sobrepor-se à razão.
O senhor daria um exemplo?
Existe um terrível preconceito nas universidades públicas contra o setor privado. Ali, qualquer contato com as empresas é visto como um ato de "venda ao sistema". Como se as instituições públicas fossem sustentadas por marcianos e não pelo dinheiro do governo, que vem justamente do sistema econômico. O resultado é que, distantes das empresas, as universidades se tornam menos produtivas e inovadoras.
Em muitos países, as universidades públicas cobram mensalidade dos estudantes que têm condições de pagar. Seria bom também para o Brasil?
Sem dúvida. Só que esse é um tabu antigo no país. Se você defende essa bandeira, logo o identificam como alguém que quer privatizar o sistema. Preservar a universidade gratuita virou uma questão de honra nacional. Bobagem. É preciso, de uma vez por todas, começar a enxergar as questões da educação no Brasil com mais pragmatismo e menos ideologia.
Na semana passada, foi aprovado em São Paulo um novo plano de carreira para professores e diretores. Esse tipo de medida tem potencial para revolucionar o ensino nas redes públicas?
Planos de carreira são essenciais para tornar essas profissões novamente atraentes, de modo que os melhores alunos saídos das universidades optem por elas. Sem isso, é difícil pensar em bom ensino. O plano de São Paulo não apenas eleva os salários, o que é um chamariz por si só, mas faz isso reconhecendo, por meio de avaliações, o mérito dos melhores profissionais. Ou seja: esforço e talento serão premiados, um estímulo que a carreira não tinha. A meritocracia consta de qualquer cartilha de gestão moderna, mas é algo ainda bem novo nas escolas brasileiras.
Os principais adversários do projeto foram os sindicatos desses profissionais. Que lógica há nisso?
É uma manifestação de puro corporativismo. Pela nova lei, só poderão pleitear aumento de salário aqueles professores assíduos ao trabalho - um pré-requisito mais do que razoável. É o mínimo esperar que, para alguém almejar ascender na carreira, ao menos compareça ao serviço. Apenas o sindicato não vê desse jeito. Ele encara as "faltas justificadas" como um direito adquirido. E ponto. Não quer perdê-lo. Mas repare que eu não estou dizendo que os professores ficarão sem esse direito. Só estou tentando fornecer um estímulo adicional para que eles deem suas aulas. O último levantamento que fizemos mostra que a média de ausências na rede estadual de São Paulo é altíssima: foram trinta faltas por docente apenas em 2008. Ao resistir a uma medida que premia a presença na escola, o sindicato dá mais uma mostra de como o espírito corporativista pode sobrepor-se a qualquer preocupação com o ensino propriamente dito.
"No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por perder tempo com discussões teóricas que, não raro, se baseiam em conceitos sem nenhuma comprovação científica"
O movimento sindical passa ao largo da preocupação com o bom ensino?
É exatamente isso. Está claro que os sindicatos estão focados cada vez mais no próprio umbigo e menos nas questões relativas à educação. Entendo, evidentemente, que lutem pelos interesses da categoria, propósito de qualquer organização do gênero. Mas a qualidade do ensino, que é de responsabilidade social deles, deveria vir em primeiro lugar. Em 1984, quando fui secretário da Educação em São Paulo pela primeira vez, já se via essa forte tendência nos sindicatos. Em reuniões com os professores, palavras como aluno ou ensino jamais eram mencionadas por eles. Apenas se discutiam ali os interesses da categoria. E esse problema só piora.
O que causa a piora?
O movimento sindical politizou-se a um ponto tal que não se acham mais nele pessoas realmente interessadas em educação. Estas debandaram. Hoje, os sindicatos estão tomados por partidos radicais de esquerda sem nenhuma relevância para a sociedade. Para essas agremiações insignificantes, o sindicalismo serve apenas como um palanque, capaz de lhes dar uma visibilidade que jamais teriam de outra maneira. É aí que tais partidos aparecem e fazem circular seu ideário atrasado e contraproducente para o ensino. Repare que esses sindicalistas são poucos - e estão longe de expressar a opinião da maioria. Mas têm voz.
Com a nova lei fica determinado que, para pular de nível na carreira, o professor seja submetido a uma prova. Por que os sindicatos rejeitaram a ideia?
É lamentável que um grupo de professores critique a existência de uma prova. Veja o absurdo. Eles alegam que um exame os obrigaria a estudar mais e que não têm tempo para isso. A crítica expressa também uma resistência à avaliação, que até hoje se vê arraigada em certos setores da sociedade brasileira.
Nisso o Brasil destoa de outros países?
Em culturas mais individualistas e competitivas, como a anglo-saxã, as aferições do nível dos professores e do próprio ensino não são apenas bem-aceitas como têm ajudado a melhorar as escolas, na medida em que fornecem um diagnóstico dos problemas. Os professores brasileiros que agora resistem a passar pela avaliação certamente não estão atentos a isso. Sua maior preocupação é lutar por direitos iguais para todos - velha bandeira que ignora qualquer noção de meritocracia. Por isso, eles se posicionaram contra uma regra do projeto que limita o número de promoções por ano: não mais do que 20% dos profissionais poderão subir de nível. É um teto razoá-vel: evita um rombo no orçamento e, ao mesmo tempo, promove uma bem-vinda competição. Demandará mais empenho e estudo dos professores - o que não lhes fará mal.
No campo salarial, premiar o mérito significa romper com o conceito da isonomia de ganhos para todos os funcionários. Esse não é um valor que deveria ser preservado?
Não. Já é consenso entre especialistas do mundo todo que aumentos concedidos a uma categoria inteira, desprezando as diferenças de desempenho entre os profissionais, não têm impacto relevante no ensino. O que faz diferença, isso sim, é conseguir premiar os que se saem melhor em sala de aula. A isonomia é uma bandeira velha.
Há experiências no Brasil com a concessão de bônus aos melhores professores. Isso funciona?
Sem dúvida. Quando há um sistema feito para reconhecer e premiar os talentos individuais, a eficácia das políticas públicas para a educação aumenta. Coisa de quinze anos atrás, o Brasil estava a anos-luz disso. Não havia informação sobre nada - nem mesmo se sabia o número de escolas no país. O dado variava entre 190 000 e 230 000 colégios, dependendo da fonte. Hoje, já dá até para comparar o ensino de Capão Redondo, na periferia de São Paulo, com o das escolas da Finlândia. Desse modo, é possível traçar metas bem concretas para a educação e cobrar por elas - alicerces para uma boa gestão em qualquer setor.
Já se formou um consenso no Brasil de que esse é o caminho acertado?
Acho que sim. Nos primeiros anos de governo Lula, os petistas chegaram a pôr em xeque a ideia de que a qualidade do ensino precisa ser aferida com base em dados objetivos. Foi um retrocesso. Mas hoje o MEC norteia suas políticas com base em avaliações, metas e cobrança de resultados. Diria que eles chegam até a exagerar na dose, divulgando rankings que, como ministro, eu mesmo preferia não trazer a público. É o caso do Enem.
O Enem não é um bom indicador da qualidade do ensino em escolas públicas e particulares?
O problema é que, como só faz o exame quem quer, ele não necessariamente traduz a qualidade de ensino na escola como um todo. E se apenas os bons alunos de determinado colégio se submeterem à prova? O retrato sairá distorcido. Grosso modo, o Enem até espelha bem a realidade. Mas, como a amostra de alunos de cada escola é aleatória, há espaço para que se cometam injustiças. Em tese, qualquer colégio particular que se sentisse prejudicado pelo ranking poderia processar o MEC. De modo geral, porém, sou absolutamente favorável a que se lance luz sobre os resultados. O monitoramento deve ser constante.
No começo do ano, flagraram-se em material que seria distribuído às escolas pela Secretaria Estadual da Educação erros crassos, tais como a inclusão de dois Paraguais num mapa da América
do Sul. Faltou fiscalização por parte do governo?
Sem dúvida. Ainda que o material não seja produzido pela secretaria, é de responsabilidade dela que não passem erros. Não há o que argumentar aí. Depois do episódio, os cuidados foram redobrados. Cada livro é revisado de três a quatro vezes. Apostila com erro é um desserviço à educação - e desperdício de dinheiro público.
Entrevista Paulo Renato Souza
Monica Weinberg
Revista Veja, 28.10.2009
O secretário da Educação de São Paulo diz que sem meritocracia não haverá avanços na sala de aula - e que os sindicatos são um entrave para o bom ensino
"É preciso premiar o esforço e o talento para tornar a carreira de professor atraente. O bom ensino depende disso"
Criar um sistema capaz de atrair os melhores alunos para a carreira de professor é imperativo para um ensino de alto nível. Daí a relevância da aprovação, na semana passada, de um projeto concebido pelo economista Paulo Renato Souza, 64 anos, secretário estadual da Educação em São Paulo. Trata-se de um plano de carreira para os professores inteiramente baseado na meritocracia, conceito ainda raro nas escolas brasileiras e repudiado pelos sindicatos, seus principais adversários. "Os sindicalistas são um freio de mão para o bom ensino", resume o ex-ministro da Educação no governo Fernando Henrique, que reconhece avanços na implantação dos rankings no Brasil e da cobrança de resultados com base neles, mas adverte: "É preciso discutir a educação com mais objetividade e menos ideologia".
Um relatório recente da OCDE mostra que o Brasil foi o país que mais aumentou o investimento na educação em proporção ao total dos gastos públicos - mas muitos se queixam de falta de dinheiro nas escolas. Estão certos?
O maior problema no Brasil não é a falta de dinheiro, mas como esses recursos são empregados - em geral, de maneira bastante ineficaz. Daria para obter resultados infinitamente superiores apenas fazendo melhor uso das verbas já existentes. Prova disso é que, com orçamento idêntico, algumas escolas públicas oferecem ensino de ótima qualidade e outras, de péssimo nível.
O que explica isso?
As boas são comandadas por diretores com uma visão moderna de gestão, coisa raríssima no país. Não existe no Brasil nada como um bom curso voltado para treinar esses profissionais a liderar equipes ou cobrar resultados, o básico para qualquer um que se pretenda gestor. Quem se sai bem na função de diretor, em geral, é porque tem algo como um dom inato para a chefia. A coisa funciona no improviso.
As avaliações sempre chamam atenção para o despreparo dos professores brasileiros. A que o senhor atribui isso?
Às universidades que pretendem formar professores, mas passam ao largo da prática da sala de aula. No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por se dedicar a questões mais teóricas. Acabam se perdendo em debates sobre o sistema capitalista cujo ideário predominante não passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria. O que se discute hoje nessas faculdades está muito distante de qualquer ideia que seja cientificamente aceita, mesmo dentro da própria ideologia marxista. É uma situação difícil de mudar. A resistência vem de universidades como USP e Unicamp, as maiores do país.
"Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor deve ter liberdade total para construir o conhecimento junto com seus alunos. Essa apologia da ausência de método só atrapalha"
Como isso se reflete nas escolas?
Muitos professores propagam em sala de aula uma visão pouco objetiva e ideológica do mundo. Alguns não dominam sequer o básico das matérias e outros, ainda que saibam o necessário, ignoram as técnicas para passar o conhecimento adiante. Vê-se nas escolas, inclusive, certa apologia da ausência de métodos de ensino. Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor deve ter liberdade total para construir
o conhecimento junto com seus alunos. É improdutivo e irracional. Qualquer ciência pressupõe um método. No ensino superior, há também inúmeras mostras de como a ideologia pode sobrepor-se à razão.
O senhor daria um exemplo?
Existe um terrível preconceito nas universidades públicas contra o setor privado. Ali, qualquer contato com as empresas é visto como um ato de "venda ao sistema". Como se as instituições públicas fossem sustentadas por marcianos e não pelo dinheiro do governo, que vem justamente do sistema econômico. O resultado é que, distantes das empresas, as universidades se tornam menos produtivas e inovadoras.
Em muitos países, as universidades públicas cobram mensalidade dos estudantes que têm condições de pagar. Seria bom também para o Brasil?
Sem dúvida. Só que esse é um tabu antigo no país. Se você defende essa bandeira, logo o identificam como alguém que quer privatizar o sistema. Preservar a universidade gratuita virou uma questão de honra nacional. Bobagem. É preciso, de uma vez por todas, começar a enxergar as questões da educação no Brasil com mais pragmatismo e menos ideologia.
Na semana passada, foi aprovado em São Paulo um novo plano de carreira para professores e diretores. Esse tipo de medida tem potencial para revolucionar o ensino nas redes públicas?
Planos de carreira são essenciais para tornar essas profissões novamente atraentes, de modo que os melhores alunos saídos das universidades optem por elas. Sem isso, é difícil pensar em bom ensino. O plano de São Paulo não apenas eleva os salários, o que é um chamariz por si só, mas faz isso reconhecendo, por meio de avaliações, o mérito dos melhores profissionais. Ou seja: esforço e talento serão premiados, um estímulo que a carreira não tinha. A meritocracia consta de qualquer cartilha de gestão moderna, mas é algo ainda bem novo nas escolas brasileiras.
Os principais adversários do projeto foram os sindicatos desses profissionais. Que lógica há nisso?
É uma manifestação de puro corporativismo. Pela nova lei, só poderão pleitear aumento de salário aqueles professores assíduos ao trabalho - um pré-requisito mais do que razoável. É o mínimo esperar que, para alguém almejar ascender na carreira, ao menos compareça ao serviço. Apenas o sindicato não vê desse jeito. Ele encara as "faltas justificadas" como um direito adquirido. E ponto. Não quer perdê-lo. Mas repare que eu não estou dizendo que os professores ficarão sem esse direito. Só estou tentando fornecer um estímulo adicional para que eles deem suas aulas. O último levantamento que fizemos mostra que a média de ausências na rede estadual de São Paulo é altíssima: foram trinta faltas por docente apenas em 2008. Ao resistir a uma medida que premia a presença na escola, o sindicato dá mais uma mostra de como o espírito corporativista pode sobrepor-se a qualquer preocupação com o ensino propriamente dito.
"No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por perder tempo com discussões teóricas que, não raro, se baseiam em conceitos sem nenhuma comprovação científica"
O movimento sindical passa ao largo da preocupação com o bom ensino?
É exatamente isso. Está claro que os sindicatos estão focados cada vez mais no próprio umbigo e menos nas questões relativas à educação. Entendo, evidentemente, que lutem pelos interesses da categoria, propósito de qualquer organização do gênero. Mas a qualidade do ensino, que é de responsabilidade social deles, deveria vir em primeiro lugar. Em 1984, quando fui secretário da Educação em São Paulo pela primeira vez, já se via essa forte tendência nos sindicatos. Em reuniões com os professores, palavras como aluno ou ensino jamais eram mencionadas por eles. Apenas se discutiam ali os interesses da categoria. E esse problema só piora.
O que causa a piora?
O movimento sindical politizou-se a um ponto tal que não se acham mais nele pessoas realmente interessadas em educação. Estas debandaram. Hoje, os sindicatos estão tomados por partidos radicais de esquerda sem nenhuma relevância para a sociedade. Para essas agremiações insignificantes, o sindicalismo serve apenas como um palanque, capaz de lhes dar uma visibilidade que jamais teriam de outra maneira. É aí que tais partidos aparecem e fazem circular seu ideário atrasado e contraproducente para o ensino. Repare que esses sindicalistas são poucos - e estão longe de expressar a opinião da maioria. Mas têm voz.
Com a nova lei fica determinado que, para pular de nível na carreira, o professor seja submetido a uma prova. Por que os sindicatos rejeitaram a ideia?
É lamentável que um grupo de professores critique a existência de uma prova. Veja o absurdo. Eles alegam que um exame os obrigaria a estudar mais e que não têm tempo para isso. A crítica expressa também uma resistência à avaliação, que até hoje se vê arraigada em certos setores da sociedade brasileira.
Nisso o Brasil destoa de outros países?
Em culturas mais individualistas e competitivas, como a anglo-saxã, as aferições do nível dos professores e do próprio ensino não são apenas bem-aceitas como têm ajudado a melhorar as escolas, na medida em que fornecem um diagnóstico dos problemas. Os professores brasileiros que agora resistem a passar pela avaliação certamente não estão atentos a isso. Sua maior preocupação é lutar por direitos iguais para todos - velha bandeira que ignora qualquer noção de meritocracia. Por isso, eles se posicionaram contra uma regra do projeto que limita o número de promoções por ano: não mais do que 20% dos profissionais poderão subir de nível. É um teto razoá-vel: evita um rombo no orçamento e, ao mesmo tempo, promove uma bem-vinda competição. Demandará mais empenho e estudo dos professores - o que não lhes fará mal.
No campo salarial, premiar o mérito significa romper com o conceito da isonomia de ganhos para todos os funcionários. Esse não é um valor que deveria ser preservado?
Não. Já é consenso entre especialistas do mundo todo que aumentos concedidos a uma categoria inteira, desprezando as diferenças de desempenho entre os profissionais, não têm impacto relevante no ensino. O que faz diferença, isso sim, é conseguir premiar os que se saem melhor em sala de aula. A isonomia é uma bandeira velha.
Há experiências no Brasil com a concessão de bônus aos melhores professores. Isso funciona?
Sem dúvida. Quando há um sistema feito para reconhecer e premiar os talentos individuais, a eficácia das políticas públicas para a educação aumenta. Coisa de quinze anos atrás, o Brasil estava a anos-luz disso. Não havia informação sobre nada - nem mesmo se sabia o número de escolas no país. O dado variava entre 190 000 e 230 000 colégios, dependendo da fonte. Hoje, já dá até para comparar o ensino de Capão Redondo, na periferia de São Paulo, com o das escolas da Finlândia. Desse modo, é possível traçar metas bem concretas para a educação e cobrar por elas - alicerces para uma boa gestão em qualquer setor.
Já se formou um consenso no Brasil de que esse é o caminho acertado?
Acho que sim. Nos primeiros anos de governo Lula, os petistas chegaram a pôr em xeque a ideia de que a qualidade do ensino precisa ser aferida com base em dados objetivos. Foi um retrocesso. Mas hoje o MEC norteia suas políticas com base em avaliações, metas e cobrança de resultados. Diria que eles chegam até a exagerar na dose, divulgando rankings que, como ministro, eu mesmo preferia não trazer a público. É o caso do Enem.
O Enem não é um bom indicador da qualidade do ensino em escolas públicas e particulares?
O problema é que, como só faz o exame quem quer, ele não necessariamente traduz a qualidade de ensino na escola como um todo. E se apenas os bons alunos de determinado colégio se submeterem à prova? O retrato sairá distorcido. Grosso modo, o Enem até espelha bem a realidade. Mas, como a amostra de alunos de cada escola é aleatória, há espaço para que se cometam injustiças. Em tese, qualquer colégio particular que se sentisse prejudicado pelo ranking poderia processar o MEC. De modo geral, porém, sou absolutamente favorável a que se lance luz sobre os resultados. O monitoramento deve ser constante.
No começo do ano, flagraram-se em material que seria distribuído às escolas pela Secretaria Estadual da Educação erros crassos, tais como a inclusão de dois Paraguais num mapa da América
do Sul. Faltou fiscalização por parte do governo?
Sem dúvida. Ainda que o material não seja produzido pela secretaria, é de responsabilidade dela que não passem erros. Não há o que argumentar aí. Depois do episódio, os cuidados foram redobrados. Cada livro é revisado de três a quatro vezes. Apostila com erro é um desserviço à educação - e desperdício de dinheiro público.
541) O Fracasso do Biodiesel da Mamona (e de uma certa concepcao ezquizofrenica, misturando matriz energetica e problema social)
O fracasso do biodiesel
Editorial O Estado de S. Paulo, 26.10.2009
Criado há cinco anos para, como disse então o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, transformar-se em mais uma chama acesa no coração da gente nordestina, o Programa Nacional de biodiesel está se apagando. Até agora não alcançou nenhuma das metas sociais que o governo lhe atribuiu nem estimulou o plantio de novas culturas, como mamona, girassol e dendê, que impulsionaria a agricultura familiar nas regiões mais pobres do País.
O programa foi criado para estimular a produção de um combustível mais limpo e biodegradável, derivado de fontes renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais, para substituir total ou parcialmente o diesel derivado do petróleo utilizado em caminhões e ônibus e como combustível para gerar energia e calor. Mas, para transformar o programa em uma das estrelas de seu governo, o presidente Lula acrescentou-lhe outros objetivos, como o estímulo à produção agrícola nas regiões menos desenvolvidas, como o Norte e o Nordeste, e sobretudo o combate à pobreza nas áreas rurais.
Nada disso está sendo alcançado, como mostrou o Estado, em reportagem de Nicola Pamplona.
O presidente escolheu a mamona como símbolo do programa. A produção dessa matéria-prima por agricultores familiares, especialmente no Nordeste, abriria o caminho para essas famílias trocarem as difíceis condições de vida que enfrentam hoje por um pouco mais de conforto e segurança econômica - daí ele ter falado em chama acesa no coração dos nordestinos.
A reportagem deixou claro que o programa praticamente não utiliza a mamona e outras oleaginosas alternativas. Sobrevive graças, sobretudo, à produção de biodiesel a partir da soja (que responde por 78,7% da produção total). O sebo bovino aparece como segunda matéria-prima mais utilizada (14,6%) e o óleo de algodão, como terceira (4,1%). As demais fontes para a produção do biodiesel, como as sempre citadas pelo presidente, respondem por apenas 2,6% do volume produzido atualmente.
A incontestável predominância do uso da soja na produção do biodiesel contraria frontalmente dois dos principais objetivos do programa do governo. Em lugar da pretendida desconcentração regional da produção, a soja está levando à concentração, pois as Regiões Centro-Oeste e Sul já respondem por 71,6% do combustível produzido. E é uma matéria-prima cultivada em grande escala, o que tende a afastar dessa cultura pequenos agricultores que não disponham de recursos tecnológicos, embora parte da produção da soja do Sul do País saia de propriedades familiares.
Era previsível que, na primeira fase do programa do biodiesel, a soja fosse utilizada amplamente, por ser uma cultura com grande volume de produção e por questões logísticas. Mas ela não é a matéria-prima mais adequada para o biodiesel, pois seu rendimento é mais baixo. Calcula-se que apenas 18% de cada grão de soja pode ser utilizado para fazer óleo; nas demais oleaginosas, o rendimento é de cerca de 40%. Além disso, como seu preço está mais sujeito às oscilações do mercado mundial do que o das demais matérias-primas potenciais, a soja torna o programa brasileiro de biodiesel mais vulnerável.
O governo errou no timing, diz o coordenador do programa do biodiesel, Arnoldo de Campos, pois esperava uma diversificação mais rápida das matérias-primas. Talvez pudesse ter evitado o erro se levasse em conta fatores conhecidos quando lançou o programa. O dendê, por exemplo, além de só poder ser cultivado com eficiência numa determinada faixa do território brasileiro, leva oito anos para gerar a primeira colheita.
Mas o erro mais notável está no caso da mamona, que simboliza o programa do biodiesel. Seu óleo tem um alto valor de mercado, de cerca de três vezes o preço do biodiesel. Era previsível que os produtores, a fornecer a mamona por preço menor para a produção de biodiesel, iam preferir vendê-la às empresas que pagam mais, que são as indústrias química - que com ela produz óleos lubrificantes -, de cosméticos e farmacêutica.
O presidente da Petrobrás Biocombustíveis, Miguel Rossetto - um dos criadores do programa de biodiesel -, diz que, em três anos, podem surgir matérias-primas competitivas para substituir a soja. Pode ser, mas, então, o presidente que tanto falou do biodiesel e da mamona não estará mais no poder.
Editorial O Estado de S. Paulo, 26.10.2009
Criado há cinco anos para, como disse então o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, transformar-se em mais uma chama acesa no coração da gente nordestina, o Programa Nacional de biodiesel está se apagando. Até agora não alcançou nenhuma das metas sociais que o governo lhe atribuiu nem estimulou o plantio de novas culturas, como mamona, girassol e dendê, que impulsionaria a agricultura familiar nas regiões mais pobres do País.
O programa foi criado para estimular a produção de um combustível mais limpo e biodegradável, derivado de fontes renováveis, como óleos vegetais e gorduras animais, para substituir total ou parcialmente o diesel derivado do petróleo utilizado em caminhões e ônibus e como combustível para gerar energia e calor. Mas, para transformar o programa em uma das estrelas de seu governo, o presidente Lula acrescentou-lhe outros objetivos, como o estímulo à produção agrícola nas regiões menos desenvolvidas, como o Norte e o Nordeste, e sobretudo o combate à pobreza nas áreas rurais.
Nada disso está sendo alcançado, como mostrou o Estado, em reportagem de Nicola Pamplona.
O presidente escolheu a mamona como símbolo do programa. A produção dessa matéria-prima por agricultores familiares, especialmente no Nordeste, abriria o caminho para essas famílias trocarem as difíceis condições de vida que enfrentam hoje por um pouco mais de conforto e segurança econômica - daí ele ter falado em chama acesa no coração dos nordestinos.
A reportagem deixou claro que o programa praticamente não utiliza a mamona e outras oleaginosas alternativas. Sobrevive graças, sobretudo, à produção de biodiesel a partir da soja (que responde por 78,7% da produção total). O sebo bovino aparece como segunda matéria-prima mais utilizada (14,6%) e o óleo de algodão, como terceira (4,1%). As demais fontes para a produção do biodiesel, como as sempre citadas pelo presidente, respondem por apenas 2,6% do volume produzido atualmente.
A incontestável predominância do uso da soja na produção do biodiesel contraria frontalmente dois dos principais objetivos do programa do governo. Em lugar da pretendida desconcentração regional da produção, a soja está levando à concentração, pois as Regiões Centro-Oeste e Sul já respondem por 71,6% do combustível produzido. E é uma matéria-prima cultivada em grande escala, o que tende a afastar dessa cultura pequenos agricultores que não disponham de recursos tecnológicos, embora parte da produção da soja do Sul do País saia de propriedades familiares.
Era previsível que, na primeira fase do programa do biodiesel, a soja fosse utilizada amplamente, por ser uma cultura com grande volume de produção e por questões logísticas. Mas ela não é a matéria-prima mais adequada para o biodiesel, pois seu rendimento é mais baixo. Calcula-se que apenas 18% de cada grão de soja pode ser utilizado para fazer óleo; nas demais oleaginosas, o rendimento é de cerca de 40%. Além disso, como seu preço está mais sujeito às oscilações do mercado mundial do que o das demais matérias-primas potenciais, a soja torna o programa brasileiro de biodiesel mais vulnerável.
O governo errou no timing, diz o coordenador do programa do biodiesel, Arnoldo de Campos, pois esperava uma diversificação mais rápida das matérias-primas. Talvez pudesse ter evitado o erro se levasse em conta fatores conhecidos quando lançou o programa. O dendê, por exemplo, além de só poder ser cultivado com eficiência numa determinada faixa do território brasileiro, leva oito anos para gerar a primeira colheita.
Mas o erro mais notável está no caso da mamona, que simboliza o programa do biodiesel. Seu óleo tem um alto valor de mercado, de cerca de três vezes o preço do biodiesel. Era previsível que os produtores, a fornecer a mamona por preço menor para a produção de biodiesel, iam preferir vendê-la às empresas que pagam mais, que são as indústrias química - que com ela produz óleos lubrificantes -, de cosméticos e farmacêutica.
O presidente da Petrobrás Biocombustíveis, Miguel Rossetto - um dos criadores do programa de biodiesel -, diz que, em três anos, podem surgir matérias-primas competitivas para substituir a soja. Pode ser, mas, então, o presidente que tanto falou do biodiesel e da mamona não estará mais no poder.
domingo, outubro 25, 2009
540) Brasil: governo amplia controle sobre empresas
Governo amplia poder nas empresas
Fernando Dantas
O Estado de S.Paulo, Domingo, 25 de Outubro de 2009
Entre 30 maiores multinacionais do Brasil, quase todas devem ao BNDES e 20 têm sócio estatal, mostra estudo
A pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a Vale pode ser apenas o começo de uma fase de crescente poder do governo sobre as grandes empresas brasileiras. Um estudo recém-concluído revela os laços de dependência cada vez maiores dos principais grupos nacionais em relação ao Estado: entre as 30 maiores multinacionais brasileiras (ranking de 2008), quase todas têm empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e 20 têm participação do Estado - ou são estatais, ou têm parcelas de capital detidas pelo BNDESPar ou por fundos de pensão de estatais, fortemente influenciados pelo governo.
Incluindo-se as que têm associação indireta com o Estado - como parcerias com a Petrobrás, ou que fazem parte de grupos com participação estatal em outras de suas empresas -, aquele total chega a 25 das 30 maiores multinacionais, com nomes bem conhecidos como Petrobrás, Vale, Ipiranga, Usiminas, Embraer, Perdigão, Bertin e Klabin. Apenas 5 das 30 não têm no momento nenhuma associação (excluindo empréstimos) com o Estado - AmBev, TAM, Globo, Copersucar e Natura.
O estudo foi realizado por Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que vê no avanço do Estado nas principais empresas brasileiras uma clara estratégia de formação de grandes grupos para competir nos mercados globais. "Eu não sou contra esse tipo de política industrial, mas ainda há vários dilemas e contradições que precisam ser resolvidos", diz Almeida, cujo trabalho trata justamente dos problemas da atual política industrial.
Embora duas empresas - Gerdau Aços Longos e CSN - tenham participação do governo inferior a 5%, na maioria delas a parcela é superior a 10%, e em quatro é maior do que 20% (Perdigão, Bertin, Fibria e Klabin). Como o ranking é de 2008, a Perdigão, que se fundiu com a Sadia, e a Bertin (frigorífico), que se fundiu com a JBS, aparecem separadamente. Em ambos, a participação do Estado se manteve depois da fusão. Esses são exemplos de negócios que o governo ajudou a costurar e que mostram a estrutura de concentração da política industrial.
O ranking tem como critério as empresas brasileiras de maior faturamento, que tenham operação no exterior. Almeida nota que três outras empresas, que não estão entre as 30 maiores naquele critério, são normalmente citadas entre as grandes multinacionais brasileiras: Marcopolo (fabricante de ônibus), Weg (motores) e Coteminas (têxtil). As três têm empréstimos recentes do BNDES, a Coteminas tem participações de fundos de pensão e do BNDESPar, e a Marcopolo, do Centrus (fundo de pensão do Banco Central).
O estudo mostra, por outro lado, que as múltis brasileiras estão decolando no mercado global. De 2000 a 2007, o estoque de investimento direto brasileiro no resto do mundo - reflexo da atividade das multinacionais do País - aumentou de US$ 51,9 bilhões para US$ 129,8 bilhões, num avanço de US$ 77,9 bilhões. Esse salto se compara com a expansão de apenas US$ 13,4 bilhões daquele estoque durante os 20 anos de 1980 a 2000 - de US$ 38,5 bilhões para US$ 51,9 bilhões.
Mas, para tocar sua ambiciosa política industrial, o governo está fazendo uma gigantesca injeção de recursos nos bancos estatais, concentrada no BNDES. Segundo números do Banco Central, o saldo dos empréstimos do Tesouro Nacional a essas instituições saiu de zero em 2005 para R$ 145,4 bilhões em agosto de 2009. Desse total, R$ 137,5 bilhões foram para o BNDES.
Almeida estima que aquele saldo atinja cerca de R$ 200 bilhões no início do próximo governo. Isso deve acontecer com um crédito adicional de R$ 6 bilhões à Caixa Econômica Federal, e os R$ 40 bilhões que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, mencionou recentemente serem necessários para dar continuidade às operações do banco em 2010 (leia entrevista com o presidente do BNDES na página B01).
Levando em conta a diferença entre o custo do Tesouro para captar aqueles recursos, ligados aos juros médios da dívida pública (que Almeida estima em 11,25% ao ano), e o custo cobrado do BNDES, próximo à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), de 6,25%, ele calcula que o gasto anual com essa política esteja por volta de R$ 7,5 bilhões. Esse cálculo foi feito com base no saldo de R$ 151 bilhões, incluindo os R$ 6 bilhões adicionais da Caixa. Mas Almeida ressalva que o custo pode aumentar bastante, pela ampliação do saldo e também por um eventual descolamento entre a Selic (taxa básica de juros), que influencia o custo da dívida pública, e a TJLP.
O custo financeiro do fortalecimento do BNDES, no entanto, é apenas um dos problemas identificados por Almeida no crescente intervencionismo do Estado no setor produtivo. Ele constata que a política industrial do governo ainda vive um dilema de difícil superação: ao apostar as fichas nos grandes grupos econômicos brasileiros e na estratégia de usar o seu poder para concentrá-los ainda mais e criar "campeões nacionais", que possam competir globalmente, o governo acaba reforçando uma estrutura produtiva calcada na produção de commodities e de produtos de baixa tecnologia.
"É uma política industrial que consolida o que já somos, em vez de sinalizar o que queremos ser", diz Mansueto.
Dessa forma, o objetivo de fortalecer setores de maior conteúdo tecnológico, presente no primeiro ensaio de política industrial de Lula - a "Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior" (Pitce), de 2004 - acabou em segundo plano. A Pitce, que na visão do autor nunca chegou a decolar, tinha foco em setores estratégicos (software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos) e "atividades portadoras de futuro" (biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis).
539) Timothy Garton Ash on German unification and British stance
Britain fluffed the German question. Now Britain is Europe's great puzzle
Timothy Garton Ash
The Guardian, Thursday October 22 2009
The devastating truth on Thatcher's opposition to German unification is out, but today's Conservatives have learned nothing
History comes back to haunt us. Just over 20 years ago, the then British prime minister Margaret Thatcher told Soviet leader Mikhail Gorbachev: "Britain and western Europe are not interested in the unification of Germany. The words written in the Nato communique may sound different, but disregard them. We do not want the unification of Germany." She went on to say, inaccurately: "I can tell you that this is also the position of the US president." That's according to the Russian record made by one of Gorbachev's closest aides. A British note of the conversation, quoted in a volume of documents just published by Foreign Office historians, adds some fascinating new detail.
This was an act of spectacular disloyalty to an old, faithful, and important Nato ally. It showed a real lack of respect for the aspirations of the East Germans protesting on the streets, who would soon say clearly that their hopes of freedom ? the political value with which Thatcher liked to most closely identify herself ? would best be realised by unification with an already free German state. And it was very shortsighted.
She was not just expressing her worries in private to a western ally; she was expressing them directly to the man who had the power to stop German unification. The British note goes on: "Mr Gorbachev said that he could see what the prime minister was driving at. The Soviet Union understood the problem very well and she could be reassured. They did not want German reunification any more than Britain did. It was useful that the matter had been raised and that he and the prime minister knew each other's mind on this delicate subject."
Things are made no better by the fact that Fran?ois Mitterrand and the French were conveying much the same message to Moscow. Gorbachev's close adviser, Anatoly Chernyaev, who made the record of the Thatcher conversation, notes in his diary on 9 October 1989 that Mitterrand's aide Jacques Attali "talked with us about a revival of a solid Franco-Soviet alliance, 'including military integration ? camouflaged as the use of armies in the struggle against natural disasters'." Linking these French whispers to Thatcher's remarks, Chernyaev reflects: "In brief, they [that is, the French and the British] want to prevent this [German unification] with our hands."
At a witness seminar last week, organised by the Foreign Office historians, Hans-Dietrich Genscher, the West German foreign minister at that time, reacted with magnificent condescension. Obviously he was aware of Thatcher's opposition, he said, but he didn't worry too much about it, because he knew that so long as the Germans had the US behind them, the Brits would always come round in the end. Which of course they did, but not without squandering a heap of goodwill in Germany.
At the same seminar, William Waldegrave, who at that time was a junior Foreign Office minister, roundly declared that this was "one of the sorriest episodes in British diplomatic history". And the now-published records show that the Foreign Office, from the then foreign secretary Douglas Hurd down, did repeatedly warn (although not without some mandarin trimming along the way) that Thatcher's vocal opposition was impolitic, misguided and short-sighted. That is doubtless one reason why the Foreign Office is hurrying to publish the documents now, after just 20 years. Following the fall of the Berlin Wall, Hurd, Waldegrave, senior officials and diplomats would warn time and again against the folly of being an "ineffective brake" on German unification.
It is particularly interesting for me to read the internal pre-history of what became known as "the Chequers seminar" in March 1990, attended by six historians of Germany, of whom I was one. Since that famous or infamous event is represented only by a vivid but misleading summary by Thatcher's private secretary Charles Powell, which caused a scandal when it was leaked in Germany, it's worth saying again what several other participants have already put on record: the overwhelming message of all the historians present was that the Federal Republic, as it had proved itself over 40 years, must be trusted and supported in carrying through the unification of Germany in freedom.
I remember one electrifying moment when the veteran conservative historian Hugh Trevor-Roper ? who had been in Germany immediately after the end of the second world war, interrogating senior Nazis for his classic account of the Last Days of Hitler ? suddenly said, Prime Minister, if anyone had told us in 1945 that there was a chance of a Germany united in freedom, as a solid member of the west, we could not have believed our luck. And so we should welcome it, not resist it.
Twenty years on, we can see even more clearly how Trevor-Roper was right and Thatcher wrong. None of her nightmares have been realised. United Germany is not lording it over Europe, economically or any other way. Even a severe economic recession has not driven German voters to the far right. When Angela Merkel announces her new government, it will be a moderate liberal-conservative coalition of Christian Democrats and Free Democrats: the very model of a modern centrist democracy. Far from being an unstoppable force driving Europe towards a federal superstate, as Thatcher feared, this united Germany is far more comfortable being a sovereign state pursuing its national interests, as France does ? in and through European institutions, but not subsumed by them. And German unification opened the door to European unification, through the eastward enlargement of the EU, which itself has made impossible the federal superstate of Tory Eurosceptic nightmare.
Even in this success story there are causes for concern. A political system originally designed to prevent a reversion to dictatorship has developed almost too many checks and balances, so necessary reform is difficult. Germany's special relationship with an authoritarian Russia is a European problem. But there are justified concerns about every major European state ? and not least about Britain. Europe used to have sleepless nights over something called "the German question". Two decades later, a bigger worry should be the British question.
It's in Britain that the leader of a far-right, nationalist, xenophobic party will be appearing on a mainstream television show tonight. (A bad editorial call, by the way, but that's another story.) It's Britain that has a discredited parliament, a constitutional mess, the erosion of civil liberties and a chronic identity problem. It's Britain that still can't work out where it belongs in the world, and what kind of country it wants to be.
Then as now, the only thing you can be sure of ? as wily old Genscher knew ? is that London will ultimately go along with Washington. So I trust US Secretary of State Hillary Clinton gave a clear warning to shadow foreign secretary William Hague when they met in Washington yesterday, similar to the message an earlier US administration quietly delivered 20 years ago: "Don't be stupid. Don't marginalise yourselves in Europe." But how ridiculous and demeaning it is that we have to rely on the Americans to persuade British Conservatives to behave like halfway rational Europeans.
Timothy Garton Ash
The Guardian, Thursday October 22 2009
The devastating truth on Thatcher's opposition to German unification is out, but today's Conservatives have learned nothing
History comes back to haunt us. Just over 20 years ago, the then British prime minister Margaret Thatcher told Soviet leader Mikhail Gorbachev: "Britain and western Europe are not interested in the unification of Germany. The words written in the Nato communique may sound different, but disregard them. We do not want the unification of Germany." She went on to say, inaccurately: "I can tell you that this is also the position of the US president." That's according to the Russian record made by one of Gorbachev's closest aides. A British note of the conversation, quoted in a volume of documents just published by Foreign Office historians, adds some fascinating new detail.
This was an act of spectacular disloyalty to an old, faithful, and important Nato ally. It showed a real lack of respect for the aspirations of the East Germans protesting on the streets, who would soon say clearly that their hopes of freedom ? the political value with which Thatcher liked to most closely identify herself ? would best be realised by unification with an already free German state. And it was very shortsighted.
She was not just expressing her worries in private to a western ally; she was expressing them directly to the man who had the power to stop German unification. The British note goes on: "Mr Gorbachev said that he could see what the prime minister was driving at. The Soviet Union understood the problem very well and she could be reassured. They did not want German reunification any more than Britain did. It was useful that the matter had been raised and that he and the prime minister knew each other's mind on this delicate subject."
Things are made no better by the fact that Fran?ois Mitterrand and the French were conveying much the same message to Moscow. Gorbachev's close adviser, Anatoly Chernyaev, who made the record of the Thatcher conversation, notes in his diary on 9 October 1989 that Mitterrand's aide Jacques Attali "talked with us about a revival of a solid Franco-Soviet alliance, 'including military integration ? camouflaged as the use of armies in the struggle against natural disasters'." Linking these French whispers to Thatcher's remarks, Chernyaev reflects: "In brief, they [that is, the French and the British] want to prevent this [German unification] with our hands."
At a witness seminar last week, organised by the Foreign Office historians, Hans-Dietrich Genscher, the West German foreign minister at that time, reacted with magnificent condescension. Obviously he was aware of Thatcher's opposition, he said, but he didn't worry too much about it, because he knew that so long as the Germans had the US behind them, the Brits would always come round in the end. Which of course they did, but not without squandering a heap of goodwill in Germany.
At the same seminar, William Waldegrave, who at that time was a junior Foreign Office minister, roundly declared that this was "one of the sorriest episodes in British diplomatic history". And the now-published records show that the Foreign Office, from the then foreign secretary Douglas Hurd down, did repeatedly warn (although not without some mandarin trimming along the way) that Thatcher's vocal opposition was impolitic, misguided and short-sighted. That is doubtless one reason why the Foreign Office is hurrying to publish the documents now, after just 20 years. Following the fall of the Berlin Wall, Hurd, Waldegrave, senior officials and diplomats would warn time and again against the folly of being an "ineffective brake" on German unification.
It is particularly interesting for me to read the internal pre-history of what became known as "the Chequers seminar" in March 1990, attended by six historians of Germany, of whom I was one. Since that famous or infamous event is represented only by a vivid but misleading summary by Thatcher's private secretary Charles Powell, which caused a scandal when it was leaked in Germany, it's worth saying again what several other participants have already put on record: the overwhelming message of all the historians present was that the Federal Republic, as it had proved itself over 40 years, must be trusted and supported in carrying through the unification of Germany in freedom.
I remember one electrifying moment when the veteran conservative historian Hugh Trevor-Roper ? who had been in Germany immediately after the end of the second world war, interrogating senior Nazis for his classic account of the Last Days of Hitler ? suddenly said, Prime Minister, if anyone had told us in 1945 that there was a chance of a Germany united in freedom, as a solid member of the west, we could not have believed our luck. And so we should welcome it, not resist it.
Twenty years on, we can see even more clearly how Trevor-Roper was right and Thatcher wrong. None of her nightmares have been realised. United Germany is not lording it over Europe, economically or any other way. Even a severe economic recession has not driven German voters to the far right. When Angela Merkel announces her new government, it will be a moderate liberal-conservative coalition of Christian Democrats and Free Democrats: the very model of a modern centrist democracy. Far from being an unstoppable force driving Europe towards a federal superstate, as Thatcher feared, this united Germany is far more comfortable being a sovereign state pursuing its national interests, as France does ? in and through European institutions, but not subsumed by them. And German unification opened the door to European unification, through the eastward enlargement of the EU, which itself has made impossible the federal superstate of Tory Eurosceptic nightmare.
Even in this success story there are causes for concern. A political system originally designed to prevent a reversion to dictatorship has developed almost too many checks and balances, so necessary reform is difficult. Germany's special relationship with an authoritarian Russia is a European problem. But there are justified concerns about every major European state ? and not least about Britain. Europe used to have sleepless nights over something called "the German question". Two decades later, a bigger worry should be the British question.
It's in Britain that the leader of a far-right, nationalist, xenophobic party will be appearing on a mainstream television show tonight. (A bad editorial call, by the way, but that's another story.) It's Britain that has a discredited parliament, a constitutional mess, the erosion of civil liberties and a chronic identity problem. It's Britain that still can't work out where it belongs in the world, and what kind of country it wants to be.
Then as now, the only thing you can be sure of ? as wily old Genscher knew ? is that London will ultimately go along with Washington. So I trust US Secretary of State Hillary Clinton gave a clear warning to shadow foreign secretary William Hague when they met in Washington yesterday, similar to the message an earlier US administration quietly delivered 20 years ago: "Don't be stupid. Don't marginalise yourselves in Europe." But how ridiculous and demeaning it is that we have to rely on the Americans to persuade British Conservatives to behave like halfway rational Europeans.
sábado, outubro 24, 2009
538) O dólar e o peso do governo (OESP)
O dólar e o peso do governo
EDITORIAL
O Estado de S. Paulo, 23/10/2009
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, terá de pensar em um novo expediente, se quiser promover a valorização do dólar para atender os exportadores. A cobrança de imposto sobre o capital estrangeiro produziu um impacto sensível no primeiro dia, terça-feira, quando a moeda americana subiu 2,1%, mas o efeito da medida parece ter-se dissipado. Mais de metade do aumento se perdeu nos dois dias seguintes. Nessa altura, o ministro Mantega já admitia a hipótese de outras iniciativas para levar o câmbio a um nível mais confortável para o produtor nacional. Líderes da indústria haviam aplaudido a cobrança de 2% do IOF nas aplicações de capital estrangeiro em ações e em papéis de renda fixa. Ninguém podia seriamente apostar num efeito duradouro dessa medida, mas até os mais otimistas devem ter-se decepcionado.
O ministro da Fazenda assumiu sozinho a responsabilidade pela tributação do capital estrangeiro. A diretoria do Banco Central não se envolveu na decisão e o ministro doPlanejamento, Paulo Bernardo, manteve uma cuidadosa distância do assunto. Na quarta-feira surgiu o primeiro sinal ostensivo de discordância no governo federal. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, mostrou ceticismo quanto à eficácia da medida para a correção do desajuste cambial. Chegou a arriscar uma profecia: a valorização do dólar poderia durar no máximo seis meses, provavelmente menos. A principal consequência da nova tributação, segundo ele, seria um aumento de arrecadação para o Tesouro, embora esse não fosse, oficialmente, o objetivo principal de Mantega.
Não se pode menosprezar a importância do câmbio para o comércio exterior, mas o ministro do Desenvolvimento acertou ao chamar a atenção para outros fatores mais importantes, a longo prazo, para a competitividade. A indústria, disse ele, deve investir em modernização e inovação para se tornar tão competitiva quanto a agricultura. A recomendação é correta, embora os empresários do agronegócio também se queixem da valorização do real. Além disso, os industriais não têm deixado de investir e seu esforço é geralmente reconhecido quando se divulgam as classificações internacionais de competitividade. O Brasil aparece geralmente em posição pouco honrosa, mas isso se deve, segundo os especialistas em competitividade, principalmente a fatores externos às fazendas e às indústrias.
Esses fatores são conhecidos dentro e fora do País e se costuma enfeixá-los na denominação genérica de "custo Brasil". A recomendação aos industriais para aumentarem os seus investimentos é desnecessária. Eles compraram quantidades apreciáveis de máquinas e equipamentos nos últimos anos e continuarão comprando, provavelmente, mas seus ganhos de produtividade e de poder de competição são limitados por fatores fora de seu controle, como as deficiências da infraestrutura, o peso excessivo da burocracia, o alto custo das obrigações trabalhistas e - é preciso sempre lembrar - impostos incompatíveis com uma economia aberta e diversificada.
Não falta dinheiro ao governo, mas falta com certeza eficiência ao gasto público. Mesmo quando não há desvios, muito recurso é desperdiçado por falta de foco e por inépcia gerencial. Além disso, o Orçamento federal é cada vez mais rígido, por causa do aumento constante da folha de salários e encargos. O aumento do custeio pode ser vantajoso para a sociedade, quando resulta, por exemplo, da construção de novas escolas ou hospitais (é preciso manter mais professores, médicos, enfermeiros e assim por diante). Mas esse não é o caso no Brasil. O custeio cada vez mais pesado para o contribuinte não corresponde, em geral, nem à ampliação dos serviços nem à elevação de sua qualidade. O peso do governo é cada vez mais, portanto, um entrave para a economia.
Um orçamento mais enxuto e mais bem administrado permitiria ao Banco Central operar com juros bem mais baixos. Assim se eliminaria um dos estímulos ao ingresso do capital especulativo e, portanto, um dos fatores de valorização cambial. Mas, se o governo fosse mais eficiente no uso do dinheiro público, outras condições de competitividade seriam preenchidas e o câmbio já seria um fator menos importante para a produção nacional, a exportação e a multiplicação de empregos.
EDITORIAL
O Estado de S. Paulo, 23/10/2009
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, terá de pensar em um novo expediente, se quiser promover a valorização do dólar para atender os exportadores. A cobrança de imposto sobre o capital estrangeiro produziu um impacto sensível no primeiro dia, terça-feira, quando a moeda americana subiu 2,1%, mas o efeito da medida parece ter-se dissipado. Mais de metade do aumento se perdeu nos dois dias seguintes. Nessa altura, o ministro Mantega já admitia a hipótese de outras iniciativas para levar o câmbio a um nível mais confortável para o produtor nacional. Líderes da indústria haviam aplaudido a cobrança de 2% do IOF nas aplicações de capital estrangeiro em ações e em papéis de renda fixa. Ninguém podia seriamente apostar num efeito duradouro dessa medida, mas até os mais otimistas devem ter-se decepcionado.
O ministro da Fazenda assumiu sozinho a responsabilidade pela tributação do capital estrangeiro. A diretoria do Banco Central não se envolveu na decisão e o ministro doPlanejamento, Paulo Bernardo, manteve uma cuidadosa distância do assunto. Na quarta-feira surgiu o primeiro sinal ostensivo de discordância no governo federal. O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, mostrou ceticismo quanto à eficácia da medida para a correção do desajuste cambial. Chegou a arriscar uma profecia: a valorização do dólar poderia durar no máximo seis meses, provavelmente menos. A principal consequência da nova tributação, segundo ele, seria um aumento de arrecadação para o Tesouro, embora esse não fosse, oficialmente, o objetivo principal de Mantega.
Não se pode menosprezar a importância do câmbio para o comércio exterior, mas o ministro do Desenvolvimento acertou ao chamar a atenção para outros fatores mais importantes, a longo prazo, para a competitividade. A indústria, disse ele, deve investir em modernização e inovação para se tornar tão competitiva quanto a agricultura. A recomendação é correta, embora os empresários do agronegócio também se queixem da valorização do real. Além disso, os industriais não têm deixado de investir e seu esforço é geralmente reconhecido quando se divulgam as classificações internacionais de competitividade. O Brasil aparece geralmente em posição pouco honrosa, mas isso se deve, segundo os especialistas em competitividade, principalmente a fatores externos às fazendas e às indústrias.
Esses fatores são conhecidos dentro e fora do País e se costuma enfeixá-los na denominação genérica de "custo Brasil". A recomendação aos industriais para aumentarem os seus investimentos é desnecessária. Eles compraram quantidades apreciáveis de máquinas e equipamentos nos últimos anos e continuarão comprando, provavelmente, mas seus ganhos de produtividade e de poder de competição são limitados por fatores fora de seu controle, como as deficiências da infraestrutura, o peso excessivo da burocracia, o alto custo das obrigações trabalhistas e - é preciso sempre lembrar - impostos incompatíveis com uma economia aberta e diversificada.
Não falta dinheiro ao governo, mas falta com certeza eficiência ao gasto público. Mesmo quando não há desvios, muito recurso é desperdiçado por falta de foco e por inépcia gerencial. Além disso, o Orçamento federal é cada vez mais rígido, por causa do aumento constante da folha de salários e encargos. O aumento do custeio pode ser vantajoso para a sociedade, quando resulta, por exemplo, da construção de novas escolas ou hospitais (é preciso manter mais professores, médicos, enfermeiros e assim por diante). Mas esse não é o caso no Brasil. O custeio cada vez mais pesado para o contribuinte não corresponde, em geral, nem à ampliação dos serviços nem à elevação de sua qualidade. O peso do governo é cada vez mais, portanto, um entrave para a economia.
Um orçamento mais enxuto e mais bem administrado permitiria ao Banco Central operar com juros bem mais baixos. Assim se eliminaria um dos estímulos ao ingresso do capital especulativo e, portanto, um dos fatores de valorização cambial. Mas, se o governo fosse mais eficiente no uso do dinheiro público, outras condições de competitividade seriam preenchidas e o câmbio já seria um fator menos importante para a produção nacional, a exportação e a multiplicação de empregos.
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537) Biodiesel, problemas na producao, custos e desvios
Problemas no biodiesel
Celso Ming
O Estado de S. Paulo, Sábado, 24 de outubro de 2009
O presidente Lula finalmente reconheceu que o biodiesel enfrenta problemas. Ontem, ao antecipar em três anos a mistura obrigatória de 5% de biodiesel ao diesel mineral, advertiu que não temos o direito de ficar dependentes da soja, que é alimento.
É a primeira vez que o presidente Lula aceita o argumento de que alimento não deve ser transformado em combustível. Se isso for levado às últimas consequências, o etanol também ficará sob tiroteio.
Mas o problema principal do biodiesel não é sua dependência de um alimento. É sua dependência de uma matéria-prima exposta à disparada de preços.
Desde julho, todo o diesel comercializado no País tem proporção de 4% de biodiesel. O consumo interno anual atinge 1,3 bilhão de litros do biocombustível. Nada menos que 79% do total provém de uma única fonte: a soja.
Se os preços da soja dispararem, como já ocorreu, a produção de biodiesel ficará proibitiva. Os custos de produção, que estavam em São Paulo entre R$ 1,90 e R$ 2,00 por litro em setembro, subiram para entre R$ 2,10 e R$ 2,20 agora em outubro, observa Miguel Biegai, analista da Safras & Mercado. E ele avisa: É alto o risco de que os produtores deixem de cumprir seus contratos diante da escalada dos custos.
A saída parece óbvia: substituir a soja por outra matéria-prima. No momento, a melhor aposta recai sobre o pinhão-manso, arbusto da família da mamona que tem entre três e oito metros de altura. Dos grãos de seus frutos se extrai o óleo (30% a 35% do seu peso, o dobro da produtividade da soja ou do caroço de algodão).
Dia 9 ocorreu o primeiro esmagamento de pinhão-manso com o objetivo de obter óleo para fins comerciais. O diretor executivo da Fusermann - empresa mineira encarregada do processamento -, Luciano Piovesan Leme, conta que 100 toneladas do grão produziram 37 toneladas de óleo, o que mais se aproxima das características físicas do óleo diesel.
O problema é que a cultura avançou pouco no seu desenvolvimento genético. A domesticação da planta leva tempo, avisa o chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Frederico Durães. Conhecemos o pinhão-manso há muitos anos. Mas só há sete passamos a pesquisá-lo de olho no seu uso comercial.
Durães cita dois dos que considera grandes gargalos para domar o pinhão-manso. O primeiro é sua falta de adaptação aos diversos climas do Brasil. Apesar de resistente e perene, a planta perde produtividade em condições climáticas adversas, especialmente quando a distribuição de chuvas não é uniforme, explica.
A segunda limitação é o largo período de florescimento, entre novembro e maio. O amadurecimento dos frutos é irregular, o que também ocorre com a mamona. É fator que impede a colheita mecanizada e aumenta substancialmente os custos de produção.
Outro problema sem solução é o destino a ser dado aos resíduos. O pesquisador da Embrapa Bruno Laviola reconhece que hoje não há o que fazer com a torta, que possui alto teor tóxico.
No restante do mundo, a maior parte do óleo vegetal provém de apenas quatro grãos: soja, dendê, girassol e canola, todos alimentos. Para substituí-los, o pinhão-manso ainda tem longo e incerto caminho a percorrer. Enquanto isso, o biodiesel corre riscos.
Celso Ming
O Estado de S. Paulo, Sábado, 24 de outubro de 2009
O presidente Lula finalmente reconheceu que o biodiesel enfrenta problemas. Ontem, ao antecipar em três anos a mistura obrigatória de 5% de biodiesel ao diesel mineral, advertiu que não temos o direito de ficar dependentes da soja, que é alimento.
É a primeira vez que o presidente Lula aceita o argumento de que alimento não deve ser transformado em combustível. Se isso for levado às últimas consequências, o etanol também ficará sob tiroteio.
Mas o problema principal do biodiesel não é sua dependência de um alimento. É sua dependência de uma matéria-prima exposta à disparada de preços.
Desde julho, todo o diesel comercializado no País tem proporção de 4% de biodiesel. O consumo interno anual atinge 1,3 bilhão de litros do biocombustível. Nada menos que 79% do total provém de uma única fonte: a soja.
Se os preços da soja dispararem, como já ocorreu, a produção de biodiesel ficará proibitiva. Os custos de produção, que estavam em São Paulo entre R$ 1,90 e R$ 2,00 por litro em setembro, subiram para entre R$ 2,10 e R$ 2,20 agora em outubro, observa Miguel Biegai, analista da Safras & Mercado. E ele avisa: É alto o risco de que os produtores deixem de cumprir seus contratos diante da escalada dos custos.
A saída parece óbvia: substituir a soja por outra matéria-prima. No momento, a melhor aposta recai sobre o pinhão-manso, arbusto da família da mamona que tem entre três e oito metros de altura. Dos grãos de seus frutos se extrai o óleo (30% a 35% do seu peso, o dobro da produtividade da soja ou do caroço de algodão).
Dia 9 ocorreu o primeiro esmagamento de pinhão-manso com o objetivo de obter óleo para fins comerciais. O diretor executivo da Fusermann - empresa mineira encarregada do processamento -, Luciano Piovesan Leme, conta que 100 toneladas do grão produziram 37 toneladas de óleo, o que mais se aproxima das características físicas do óleo diesel.
O problema é que a cultura avançou pouco no seu desenvolvimento genético. A domesticação da planta leva tempo, avisa o chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Frederico Durães. Conhecemos o pinhão-manso há muitos anos. Mas só há sete passamos a pesquisá-lo de olho no seu uso comercial.
Durães cita dois dos que considera grandes gargalos para domar o pinhão-manso. O primeiro é sua falta de adaptação aos diversos climas do Brasil. Apesar de resistente e perene, a planta perde produtividade em condições climáticas adversas, especialmente quando a distribuição de chuvas não é uniforme, explica.
A segunda limitação é o largo período de florescimento, entre novembro e maio. O amadurecimento dos frutos é irregular, o que também ocorre com a mamona. É fator que impede a colheita mecanizada e aumenta substancialmente os custos de produção.
Outro problema sem solução é o destino a ser dado aos resíduos. O pesquisador da Embrapa Bruno Laviola reconhece que hoje não há o que fazer com a torta, que possui alto teor tóxico.
No restante do mundo, a maior parte do óleo vegetal provém de apenas quatro grãos: soja, dendê, girassol e canola, todos alimentos. Para substituí-los, o pinhão-manso ainda tem longo e incerto caminho a percorrer. Enquanto isso, o biodiesel corre riscos.
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sexta-feira, outubro 23, 2009
536) Deterioracao Fiscal no Brasil e controle de capitais
Ad usum Luli
Marcio Garcia
Valor Econômico, Sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Para a educação do futuro rei de França, filho de Luís XIV, o Delfim, foram elaboradas edições censuradas de clássicos latinos que escoimavam tais obras dos trechos julgados moral e socialmente inadequados. Tais edições censuradas foram denominadas ad usum Delphini (para uso do Delfim).
A contínua e acentuada deterioração da política econômica do governo Lula faz crer que o presidente esteja recebendo apenas relatos ad usum Luli, preparados por seus assessores, sem as críticas que aparecem cotidianamente na imprensa. Cabe, portanto, repeti-las, na esperança que possam chegar aos seus olhos e ouvidos.
O principal foco de deterioração é a política fiscal. Tendo deixado de lado, já em 2005, qualquer pretensão de realizar um programa de longo prazo de contenção do enorme crescimento do gasto público, a deterioração da postura fiscal ganhou grande impulso com a crise mundial recente. Com a desculpa de realizar política fiscal anticíclica, e com a cobertura provida pela comparação com os enormes déficits fiscais dos países desenvolvidos, levou-se à frente ambicioso programa de aumento de despesas de custeio que havia sido desenhado antes da eclosão da crise. Inicialmente, ainda se fazia menção ao caráter condicional dos aumentos dos gastos ao desempenho da arrecadação tributária. Com o passar do tempo, tal menção foi esquecida, e os aumentos persistiram a despeito dos seguidos malogros quanto à arrecadação fiscal, mesmo levando-se em conta os efeitos da crise e das isenções fiscais temporárias. Argúi o governo que política fiscal anticíclica é sinônimo de déficits mais elevados, esquecendo-se, convenientemente, do caráter temporário que necessariamente deve pautar tais políticas.
A retórica oficial contrapõe a política fiscal expansionista vigente à defesa de um suposto estado mínimo. A realidade, contudo, é que a combinação da atual postura fiscal, aliada à ausência de reformas, sobretudo quanto à previdência social, ameaça seriamente a sustentabilidade fiscal da economia brasileira em longo prazo. Em curto prazo, os impulsos fiscais obrigam o BC a manter os juros mais elevados para manter a inflação sob controle. Em ambos os casos, muito prejudicam o investimento produtivo, o emprego e o crescimento da economia brasileira.
Esta semana, os equívocos da política econômica alcançaram a política cambial. Sem coordenação aparente com o principal executor da política cambial, o BC, o Ministério da Fazenda decidiu criar um imposto (IOF) de 2%, sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e em bolsa de valores. Justificou a medida como tentativa de evitar uma possível bolha na bolsa de valores, mas todos sabem que a intenção é mitigar a apreciação do real.
É muito razoável que as autoridades econômicas estejam preocupadas com a recente apreciação do real e seus impactos sobre a indústria. Entretanto, controles de entrada de capitais estrangeiros sobre renda fixa instituídos na década passada demonstraram ter efeito meramente efêmero sobre a taxa de câmbio, como indicam diversos trabalhos acadêmicos feitos tanto no Brasil como no exterior ao longo dos últimos 20 anos. O leitor interessado poderá encontrar alguns dos argumentos críticos expostos no trabalho que Bernardo Carvalho e eu escrevemos, intitulado Ineffective controls on capital inflows under sophisticated financial markets: Brazil in the nineties, disponível em www.econ.puc-rio.br/mgarcia.
A principal razão da ineficácia de tais controles em alterar persistentemente a trajetória da taxa de câmbio é que, como ocorre também no caso atual, os controles buscam apenas restringir parte das entradas de capitais, não todas. Assim, dada a fungibilidade do capital, é razoavelmente fácil disfarçar um tipo de entrada de capital passível de taxação como sendo uma entrada de capital isenta de taxação. Por exemplo, como a medida recente não atingiu os investimentos estrangeiros diretos (IED), e empréstimos entre a matriz de um banco estrangeiro e sua filial no Brasil constituem IED, alguns bancos já estão oferecendo aplicações em renda fixa no Brasil utilizando tal subterfúgio para suprimir o novo IOF. A experiência da década passada mostra que ocorreu um jogo de gato e rato entre o mercado financeiro e as autoridades econômicas na vã tentativa de restringir a entrada do capital especulativo estrangeiro, então destinado à renda fixa.
A situação atual é ainda mais difícil, uma vez que se quer não só restringir a entrada de capitais para a renda a fixa, como também para a bolsa de valores. Investimentos em bolsa são, geralmente, mais longos do que os de renda fixa. Ações têm preços voláteis; quem investe em bolsa sabe que pode ter de esperar muito tempo para poder ganhar. O IOF de 2% significa pouco para esse tipo de cálculo financeiro em prazo mais longo. Além disso, estratégias de elisão também já apareceram. Várias empresas brasileiras têm ações negociadas em Nova York, via American Depositary Receipts (ADRs). ADRs são pacotes de ações brasileiras negociadas na bolsa de Nova York (NYSE). Uma das estratégias de elisão proposta consiste em comprar ADRs na NYSE, sobre as quais o IOF não consegue incidir, e desempacotar as ações. Assim, obtêm-se as ações sem o pagamento do IOF. Naturalmente, apenas ações que tenham ADRs (as das maiores firmas) podem se beneficiar de tal subterfúgio.
Apesar de o IOF dever ser razoavelmente inócuo quanto ao efeito sobre os fluxos de entrada de capitais e sobre a taxa de câmbio, ele terá outros efeitos, quase todos negativos. Ao criar um imposto incidente somente sobre a bolsa brasileira, fará com que a liquidez das principais ações brasileiras migre para bolsas estrangeiras, prejudicando fortemente o projeto de criar, no Brasil, um centro financeiro de relevância mundial. Deverá elevar o custo de capital das empresas, sobretudo as menores, que não têm acesso aos ADRs. Também deverá elevar as taxas de juros mais longas, com impactos negativos sobre o custo da dívida pública e do financiamento das empresas. O maior custo de capital deverá afetar negativamente o investimento, fazendo o PIB potencial crescer menos, assim forçando, em médio prazo, o BC a manter juros mais altos para manter a inflação sob controle.
A melhor defesa possível do IOF está no argumento de que a postura monetária atual, extremamente expansionista, nos países desenvolvidos está empurrando capital especulativo para outros países, e o Brasil é um dos prediletos. Assim, o IOF tentaria minimizar tal distorção temporária, para evitar movimentos desestabilizadores de entrada e saída de capital. O risco é repetirmos o ocorrido nos anos 90, quando ocorreu uma escalada dos controles de capital, sem mexer nos fundamentos, sobretudo o fiscal. Ironicamente, naquele período, a escalada dos controles só terminou com a crise que redundou na flutuação do câmbio em 99 e, entre outras medidas, forçou o ajuste fiscal parcial que nos garante a saúde econômica atual. Será que mais uma vez não conseguiremos tomar as medidas corretas sem uma crise séria?
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras (http:// www.econ.puc-rio.br/mgarcia )
Marcio Garcia
Valor Econômico, Sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Para a educação do futuro rei de França, filho de Luís XIV, o Delfim, foram elaboradas edições censuradas de clássicos latinos que escoimavam tais obras dos trechos julgados moral e socialmente inadequados. Tais edições censuradas foram denominadas ad usum Delphini (para uso do Delfim).
A contínua e acentuada deterioração da política econômica do governo Lula faz crer que o presidente esteja recebendo apenas relatos ad usum Luli, preparados por seus assessores, sem as críticas que aparecem cotidianamente na imprensa. Cabe, portanto, repeti-las, na esperança que possam chegar aos seus olhos e ouvidos.
O principal foco de deterioração é a política fiscal. Tendo deixado de lado, já em 2005, qualquer pretensão de realizar um programa de longo prazo de contenção do enorme crescimento do gasto público, a deterioração da postura fiscal ganhou grande impulso com a crise mundial recente. Com a desculpa de realizar política fiscal anticíclica, e com a cobertura provida pela comparação com os enormes déficits fiscais dos países desenvolvidos, levou-se à frente ambicioso programa de aumento de despesas de custeio que havia sido desenhado antes da eclosão da crise. Inicialmente, ainda se fazia menção ao caráter condicional dos aumentos dos gastos ao desempenho da arrecadação tributária. Com o passar do tempo, tal menção foi esquecida, e os aumentos persistiram a despeito dos seguidos malogros quanto à arrecadação fiscal, mesmo levando-se em conta os efeitos da crise e das isenções fiscais temporárias. Argúi o governo que política fiscal anticíclica é sinônimo de déficits mais elevados, esquecendo-se, convenientemente, do caráter temporário que necessariamente deve pautar tais políticas.
A retórica oficial contrapõe a política fiscal expansionista vigente à defesa de um suposto estado mínimo. A realidade, contudo, é que a combinação da atual postura fiscal, aliada à ausência de reformas, sobretudo quanto à previdência social, ameaça seriamente a sustentabilidade fiscal da economia brasileira em longo prazo. Em curto prazo, os impulsos fiscais obrigam o BC a manter os juros mais elevados para manter a inflação sob controle. Em ambos os casos, muito prejudicam o investimento produtivo, o emprego e o crescimento da economia brasileira.
Esta semana, os equívocos da política econômica alcançaram a política cambial. Sem coordenação aparente com o principal executor da política cambial, o BC, o Ministério da Fazenda decidiu criar um imposto (IOF) de 2%, sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e em bolsa de valores. Justificou a medida como tentativa de evitar uma possível bolha na bolsa de valores, mas todos sabem que a intenção é mitigar a apreciação do real.
É muito razoável que as autoridades econômicas estejam preocupadas com a recente apreciação do real e seus impactos sobre a indústria. Entretanto, controles de entrada de capitais estrangeiros sobre renda fixa instituídos na década passada demonstraram ter efeito meramente efêmero sobre a taxa de câmbio, como indicam diversos trabalhos acadêmicos feitos tanto no Brasil como no exterior ao longo dos últimos 20 anos. O leitor interessado poderá encontrar alguns dos argumentos críticos expostos no trabalho que Bernardo Carvalho e eu escrevemos, intitulado Ineffective controls on capital inflows under sophisticated financial markets: Brazil in the nineties, disponível em www.econ.puc-rio.br/mgarcia.
A principal razão da ineficácia de tais controles em alterar persistentemente a trajetória da taxa de câmbio é que, como ocorre também no caso atual, os controles buscam apenas restringir parte das entradas de capitais, não todas. Assim, dada a fungibilidade do capital, é razoavelmente fácil disfarçar um tipo de entrada de capital passível de taxação como sendo uma entrada de capital isenta de taxação. Por exemplo, como a medida recente não atingiu os investimentos estrangeiros diretos (IED), e empréstimos entre a matriz de um banco estrangeiro e sua filial no Brasil constituem IED, alguns bancos já estão oferecendo aplicações em renda fixa no Brasil utilizando tal subterfúgio para suprimir o novo IOF. A experiência da década passada mostra que ocorreu um jogo de gato e rato entre o mercado financeiro e as autoridades econômicas na vã tentativa de restringir a entrada do capital especulativo estrangeiro, então destinado à renda fixa.
A situação atual é ainda mais difícil, uma vez que se quer não só restringir a entrada de capitais para a renda a fixa, como também para a bolsa de valores. Investimentos em bolsa são, geralmente, mais longos do que os de renda fixa. Ações têm preços voláteis; quem investe em bolsa sabe que pode ter de esperar muito tempo para poder ganhar. O IOF de 2% significa pouco para esse tipo de cálculo financeiro em prazo mais longo. Além disso, estratégias de elisão também já apareceram. Várias empresas brasileiras têm ações negociadas em Nova York, via American Depositary Receipts (ADRs). ADRs são pacotes de ações brasileiras negociadas na bolsa de Nova York (NYSE). Uma das estratégias de elisão proposta consiste em comprar ADRs na NYSE, sobre as quais o IOF não consegue incidir, e desempacotar as ações. Assim, obtêm-se as ações sem o pagamento do IOF. Naturalmente, apenas ações que tenham ADRs (as das maiores firmas) podem se beneficiar de tal subterfúgio.
Apesar de o IOF dever ser razoavelmente inócuo quanto ao efeito sobre os fluxos de entrada de capitais e sobre a taxa de câmbio, ele terá outros efeitos, quase todos negativos. Ao criar um imposto incidente somente sobre a bolsa brasileira, fará com que a liquidez das principais ações brasileiras migre para bolsas estrangeiras, prejudicando fortemente o projeto de criar, no Brasil, um centro financeiro de relevância mundial. Deverá elevar o custo de capital das empresas, sobretudo as menores, que não têm acesso aos ADRs. Também deverá elevar as taxas de juros mais longas, com impactos negativos sobre o custo da dívida pública e do financiamento das empresas. O maior custo de capital deverá afetar negativamente o investimento, fazendo o PIB potencial crescer menos, assim forçando, em médio prazo, o BC a manter juros mais altos para manter a inflação sob controle.
A melhor defesa possível do IOF está no argumento de que a postura monetária atual, extremamente expansionista, nos países desenvolvidos está empurrando capital especulativo para outros países, e o Brasil é um dos prediletos. Assim, o IOF tentaria minimizar tal distorção temporária, para evitar movimentos desestabilizadores de entrada e saída de capital. O risco é repetirmos o ocorrido nos anos 90, quando ocorreu uma escalada dos controles de capital, sem mexer nos fundamentos, sobretudo o fiscal. Ironicamente, naquele período, a escalada dos controles só terminou com a crise que redundou na flutuação do câmbio em 99 e, entre outras medidas, forçou o ajuste fiscal parcial que nos garante a saúde econômica atual. Será que mais uma vez não conseguiremos tomar as medidas corretas sem uma crise séria?
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras (http:// www.econ.puc-rio.br/mgarcia )
535) Remessas de Imigrantes: Dollars without Borders
Dollars Without Borders
Dilip Ratha
Foreign Affairs, Ocotber-December 2009
Can the Global Flow of Remittances Survive the Crisis?
Between 2003 and 2008, on the back of a growing world economy, remittances more than doubled, reaching as much as $330 billion in 2008. Now, with the world's largest economies in steep decline, many fear that the flow of remittances will also take a hit, threatening the millions who depend on funds sent by relatives and friends working abroad to meet basic needs.
In fact, remittances are proving to be one of the more resilient pieces of the global economy in the downturn, and will likely play a large role in the economic development and recovery of many poor countries. Remittances provide the most tangible link between migration and development, a relationship that has only increased in importance since the crash. To ensure that these funds can move efficiently and easily around the globe, governments of rich and poor countries should attempt to make remittances as accessible and cheap as possible.
In the economic boom years of the last decade, the amount of remittances to developing countries grew to several times the size of official development aid. For many states, remittances are now the largest and least volatile source of foreign exchange, and for some countries -- such as Lesotho, Moldova, Tajikistan, and Tonga -- they exceed one-third of national income. Meanwhile, in many countries such as El Salvador and Nepal they help anchor the value of the national currency by bringing in the foreign currency required for financing imports and foreign debt. More locally, remittances provide funds for education and health expenses as well as capital for small businesses. In Sri Lanka, for example, the birth weight of children in remittance-recipient households is higher than that of children in other households.
Lant Pritchett, an economist at Harvard University, recently estimated that allowing 3,000 additional Bangladeshi workers into the United States would generate greater income gains than the annual income contribution of Grameen, the pioneering microfinance bank, to Bangladesh. Although private remittances cannot take the place of official aid efforts, this does suggest that an increase in remittance flows could be an effective way to continue development efforts in the face of shrinking national budgets.
Historically, remittances have tended to rise in times of financial crisis or natural disasters because migrants living abroad send more money to help their families back home. For example, remittance inflows increased to Mexico following its financial crisis in 1995, to the Philippines and Thailand after the Asian crash in 1997, and to Central America after Hurricane Mitch in 1998.
But today's global economic crisis is different. The world's wealthier countries are also suffering, which, in turn, is causing employment opportunities for migrant workers to disappear and their incomes to fall. For the first time since the 1980s, remittances to developing countries are expected to decline between seven and ten percent in 2009.
The anticipated drop, however, will not be as dramatic as many fear. Despite growing economic hardship in host countries, many workers are choosing to remain, both because immigration controls have made reentry more difficult and because income levels back home are even lower. In order to continue sending remittances, many migrants are accepting lower compensation, switching jobs, sharing accommodation with other migrants, and cutting back on living costs -- one meal saved in Dubai or New York is worth several in Mumbai or Mexico City.
A shift toward stricter immigration and labor policies means that a large number of these migrants are losing their legal status -- which means they are increasingly forced to rely on unofficial agents to send money, such as couriers; informal traders; bus drivers; airline crew; trading companies; and hawala brokers, who use a paperless remittance system. This is a reversal of a previous trend that began after 9/11, when many countries cracked down on informal remittance channels and pushed migrants to use banks and registered money-transfer operators. With the return to unofficial means, official data may be understating the true size of global remittance flows by as much as 10-50 percent.
As the crisis deepens, a lack of jobs will force some workers home. But they will return with savings that are typically recorded in official statistics as remittance inflows. During the Persian Gulf War in 1991, for example, a large number of Indian migrants came back home from the Gulf, driving up the amount of remittances to India. Migrants not only bring back savings but also business skills. Jordan's economy performed better than many observers had expected between 1991 and 1993 because of the return of relatively skilled workers from the Gulf.
Return migration in the current crisis appears to be negligible so far, but if it happens, the workers coming back home should be provided with help in setting up small businesses and reintegrating into their communities, instead of being the object of envy or fear of job competition.
In the global downturn, fluctuations in currency rates have led to some surprising increases in remittance levels -- especially between India and the United States. Remittances meant for consumption will likely fall as the U.S. dollar appreciates against the Indian rupee, because the same basket of local goods and services in India can now be purchased with fewer U.S. dollars. However, the remittances meant for investment -- or the purchase of goods with long-term payoffs -- will rise as the depreciation of the rupee produces a "sale effect" for housing and other assets in India.
Indeed, as the Indian rupee has depreciated more than 25 percent against the U.S. dollar in recent months, there has been a surge in remittance flows to India. In March 2009, the World Bank revised its estimate of remittance flows to India in 2008 from $30 billion to $45 billion; a few months later, the official number for 2008 was reported as $52 billion. There are signs that a similar surge in investment-related remittance flows is happening in Bangladesh, Ethiopia, Moldova, Nepal, Pakistan, the Philippines, and Tajikistan.
The crisis is also producing "reverse remittances" in the case of migrants who are left without work or with less work than before, but who choose to remain in their adopted countries. To fund their living costs, some of these migrants are forced to spend savings they have previously sent home. This phenomenon is most visible in the United States, where some workers from the Dominican Republic and Mexico are relying on such funds to stay put during the economic downturn.
With lower levels of foreign aid and investment likely over the short term, remittances will have to shoulder an increasing percentage of local development needs. Unfortunately, the greatest risk to remittance flows does not come from the economic downturn itself but from protectionist measures taken by many destination countries, including those in the developing world. Such measures include lower annual quotas, higher salary and skill requirements, and longer waiting periods for hiring migrant workers.
All parties -- national governments, private enterprises, and workers themselves -- would benefit from a market-based approach. In the face of falling revenue, businesses need flexibility in hiring decisions, not to be forced to fire or hire workers based on nationality. There is increasing evidence that migrant workers, especially the unskilled millions, do not compete for jobs taken by native workers. And if there is competition for skilled work, it is mostly a short-term effect; over the medium term, skilled migrants contribute to the growth of businesses and to the development of new products and processes. In the United States, for instance, migrant workers have made valuable contributions to the domestic health and information technology industries.
Many remittance providers currently charge fees of more than ten percent. That is too high. To facilitate the transfer of funds, source countries should make it easier for migrants to access cheap and reliable providers. This would require improving competition and transparency in the remittance market, applying a simpler and identical set of regulations across state and national boundaries, and greater use of postal networks and mobile phone companies. Onerous regulations intended to combat money laundering and the financing of terrorism are a major impediment to cross-border remittances. Such regulations need to be balanced and simplified.
The exclusive partnership arrangements between money-transfer companies and the postal and banking networks of most countries are a hindrance to competition among firms offering remittance services. Instead of operating under these closed agreements, all providers should have access to global financial networks. A standard remittance is a simple financial transaction that -- if lightly regulated and processed using modern technology -- can cost as little as one percent. If funds were transferred through banks and other financial intermediaries, migrants and their beneficiaries would be encouraged to save and invest. Intermediary banks could also use remittance inflows as collateral to borrow larger sums in international credit markets for local investments.
To best leverage these flows for development, it is time to create an international body -- an "International Remittances Institute" -- that would monitor the flows of labor and remittances and oversee policies to make them easier, cheaper, safer, and more productive. The proposed African Remittances Institute, supported by the African Union and the European Union, is a small but important step in this direction. But a global institution can only be created with the support of the entire global development community -- as such, the forthcoming Global Forum on Migration and Development in Athens early next month should consider this proposal. It is not just a question of economic growth for the developing world but of economic recovery for the West.
DILIP RATHA is Lead Economist of the Migration and Remittances Team at the World Bank.
Copyright © 2002-2009 by the Council on Foreign Relations, Inc.
Source URL: http://www.foreignaffairs.com/articles/65448/dilip-ratha/dollars-without-borders
Dilip Ratha
Foreign Affairs, Ocotber-December 2009
Can the Global Flow of Remittances Survive the Crisis?
Between 2003 and 2008, on the back of a growing world economy, remittances more than doubled, reaching as much as $330 billion in 2008. Now, with the world's largest economies in steep decline, many fear that the flow of remittances will also take a hit, threatening the millions who depend on funds sent by relatives and friends working abroad to meet basic needs.
In fact, remittances are proving to be one of the more resilient pieces of the global economy in the downturn, and will likely play a large role in the economic development and recovery of many poor countries. Remittances provide the most tangible link between migration and development, a relationship that has only increased in importance since the crash. To ensure that these funds can move efficiently and easily around the globe, governments of rich and poor countries should attempt to make remittances as accessible and cheap as possible.
In the economic boom years of the last decade, the amount of remittances to developing countries grew to several times the size of official development aid. For many states, remittances are now the largest and least volatile source of foreign exchange, and for some countries -- such as Lesotho, Moldova, Tajikistan, and Tonga -- they exceed one-third of national income. Meanwhile, in many countries such as El Salvador and Nepal they help anchor the value of the national currency by bringing in the foreign currency required for financing imports and foreign debt. More locally, remittances provide funds for education and health expenses as well as capital for small businesses. In Sri Lanka, for example, the birth weight of children in remittance-recipient households is higher than that of children in other households.
Lant Pritchett, an economist at Harvard University, recently estimated that allowing 3,000 additional Bangladeshi workers into the United States would generate greater income gains than the annual income contribution of Grameen, the pioneering microfinance bank, to Bangladesh. Although private remittances cannot take the place of official aid efforts, this does suggest that an increase in remittance flows could be an effective way to continue development efforts in the face of shrinking national budgets.
Historically, remittances have tended to rise in times of financial crisis or natural disasters because migrants living abroad send more money to help their families back home. For example, remittance inflows increased to Mexico following its financial crisis in 1995, to the Philippines and Thailand after the Asian crash in 1997, and to Central America after Hurricane Mitch in 1998.
But today's global economic crisis is different. The world's wealthier countries are also suffering, which, in turn, is causing employment opportunities for migrant workers to disappear and their incomes to fall. For the first time since the 1980s, remittances to developing countries are expected to decline between seven and ten percent in 2009.
The anticipated drop, however, will not be as dramatic as many fear. Despite growing economic hardship in host countries, many workers are choosing to remain, both because immigration controls have made reentry more difficult and because income levels back home are even lower. In order to continue sending remittances, many migrants are accepting lower compensation, switching jobs, sharing accommodation with other migrants, and cutting back on living costs -- one meal saved in Dubai or New York is worth several in Mumbai or Mexico City.
A shift toward stricter immigration and labor policies means that a large number of these migrants are losing their legal status -- which means they are increasingly forced to rely on unofficial agents to send money, such as couriers; informal traders; bus drivers; airline crew; trading companies; and hawala brokers, who use a paperless remittance system. This is a reversal of a previous trend that began after 9/11, when many countries cracked down on informal remittance channels and pushed migrants to use banks and registered money-transfer operators. With the return to unofficial means, official data may be understating the true size of global remittance flows by as much as 10-50 percent.
As the crisis deepens, a lack of jobs will force some workers home. But they will return with savings that are typically recorded in official statistics as remittance inflows. During the Persian Gulf War in 1991, for example, a large number of Indian migrants came back home from the Gulf, driving up the amount of remittances to India. Migrants not only bring back savings but also business skills. Jordan's economy performed better than many observers had expected between 1991 and 1993 because of the return of relatively skilled workers from the Gulf.
Return migration in the current crisis appears to be negligible so far, but if it happens, the workers coming back home should be provided with help in setting up small businesses and reintegrating into their communities, instead of being the object of envy or fear of job competition.
In the global downturn, fluctuations in currency rates have led to some surprising increases in remittance levels -- especially between India and the United States. Remittances meant for consumption will likely fall as the U.S. dollar appreciates against the Indian rupee, because the same basket of local goods and services in India can now be purchased with fewer U.S. dollars. However, the remittances meant for investment -- or the purchase of goods with long-term payoffs -- will rise as the depreciation of the rupee produces a "sale effect" for housing and other assets in India.
Indeed, as the Indian rupee has depreciated more than 25 percent against the U.S. dollar in recent months, there has been a surge in remittance flows to India. In March 2009, the World Bank revised its estimate of remittance flows to India in 2008 from $30 billion to $45 billion; a few months later, the official number for 2008 was reported as $52 billion. There are signs that a similar surge in investment-related remittance flows is happening in Bangladesh, Ethiopia, Moldova, Nepal, Pakistan, the Philippines, and Tajikistan.
The crisis is also producing "reverse remittances" in the case of migrants who are left without work or with less work than before, but who choose to remain in their adopted countries. To fund their living costs, some of these migrants are forced to spend savings they have previously sent home. This phenomenon is most visible in the United States, where some workers from the Dominican Republic and Mexico are relying on such funds to stay put during the economic downturn.
With lower levels of foreign aid and investment likely over the short term, remittances will have to shoulder an increasing percentage of local development needs. Unfortunately, the greatest risk to remittance flows does not come from the economic downturn itself but from protectionist measures taken by many destination countries, including those in the developing world. Such measures include lower annual quotas, higher salary and skill requirements, and longer waiting periods for hiring migrant workers.
All parties -- national governments, private enterprises, and workers themselves -- would benefit from a market-based approach. In the face of falling revenue, businesses need flexibility in hiring decisions, not to be forced to fire or hire workers based on nationality. There is increasing evidence that migrant workers, especially the unskilled millions, do not compete for jobs taken by native workers. And if there is competition for skilled work, it is mostly a short-term effect; over the medium term, skilled migrants contribute to the growth of businesses and to the development of new products and processes. In the United States, for instance, migrant workers have made valuable contributions to the domestic health and information technology industries.
Many remittance providers currently charge fees of more than ten percent. That is too high. To facilitate the transfer of funds, source countries should make it easier for migrants to access cheap and reliable providers. This would require improving competition and transparency in the remittance market, applying a simpler and identical set of regulations across state and national boundaries, and greater use of postal networks and mobile phone companies. Onerous regulations intended to combat money laundering and the financing of terrorism are a major impediment to cross-border remittances. Such regulations need to be balanced and simplified.
The exclusive partnership arrangements between money-transfer companies and the postal and banking networks of most countries are a hindrance to competition among firms offering remittance services. Instead of operating under these closed agreements, all providers should have access to global financial networks. A standard remittance is a simple financial transaction that -- if lightly regulated and processed using modern technology -- can cost as little as one percent. If funds were transferred through banks and other financial intermediaries, migrants and their beneficiaries would be encouraged to save and invest. Intermediary banks could also use remittance inflows as collateral to borrow larger sums in international credit markets for local investments.
To best leverage these flows for development, it is time to create an international body -- an "International Remittances Institute" -- that would monitor the flows of labor and remittances and oversee policies to make them easier, cheaper, safer, and more productive. The proposed African Remittances Institute, supported by the African Union and the European Union, is a small but important step in this direction. But a global institution can only be created with the support of the entire global development community -- as such, the forthcoming Global Forum on Migration and Development in Athens early next month should consider this proposal. It is not just a question of economic growth for the developing world but of economic recovery for the West.
DILIP RATHA is Lead Economist of the Migration and Remittances Team at the World Bank.
Copyright © 2002-2009 by the Council on Foreign Relations, Inc.
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