O sistema único de assistência social
Rosângela Bittar
Valor Econômico, 21/06/2006
De maneira discreta, até porque ofuscado pela popular vitrine da marca Bolsa Família, o Ministério do Desenvolvimento Social implantou, já quase integralmente, ao longo dos últimos dois anos e meio, o Sistema Único de Assistência Social (Suas), um modelo de gestão criado à imagem e semelhança do Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma iniciativa autêntica deste governo, o sistema tem um breve histórico a se contar: na Constituição de 88, a assistência social se incluiu no critério de seguridade social, junto com a Saúde e a Previdência. Dessa disposição surgiu, em 7 de dezembro de 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), e com ela as características básicas de como deveria ser o novo sistema de assistência social: descentralizado, participativo, financiado por União, Estados e municípios. Um modelo que incluía a responsabilidade dos órgãos gestores da assistência social, a implantação de conselhos municipais, estaduais e o nacional, a criação de fundos públicos para financiar as ações nesta área.
Em um período de 10 anos, o sistema avançou, mas não chegou a ser implantado efetivamente. Márcia Lopes, atualmente secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, que chegou ao governo Lula a convite do ministro Patrus Ananias, como secretária de Assistência Social do ministério, é do ramo há alguns anos e, como poucos no governo, reconhece que o mundo existia antes de 2003. Até porque ela era secretária de Assistência Social de Londrina, no Paraná, e já lutava pela criação de uma gestão descentralizada da assistência social, que respeitasse as características regionais e municipais.
"De 93, quando foi editada a Loas, a 2003, avançamos muito", reconhece, lembrando porém que foram passos aleatórios, não sistematizados. "Houve avanços, por exemplo, com relação à implantação de conselhos municipais, à realização das conferências nacionais, à criação dos fundos públicos, mas nós não tínhamos uma regulação nacional, o Suas não estava regulamentado", afirma.
Na conferência nacional de assistência social de dezembro de 2003, com a presença de Estados e municípios, é que se decidiu finalmente implantar o sistema único. A política de assistência social, comenta Márcio Lopes, a partir desse momento deixou de ser periférica para transformar-se em política pública sustentada por uma idéia de gestão organizada.
Legítima iniciativa deste governo
"Em janeiro de 2004, conta, com os resultados da conferência nacional, definimos que iríamos assumir esta responsabilidade; era um grande desafio". A assistência social, no Brasil, vinha de anos de desarticulação, falta de critérios para distribuição de recursos, ausência de dados da realidade, de indicadores. Citando alguns dos cerca de 20 programas abrigados no Suas, Márcia Lopes assinala que "eram invisíveis" os critérios para distribuição de recursos para Estados e municípios para o PET, para o combate ao abuso sexual, para o idoso, para pessoas com deficiência, para o programa Sentinela, para o benefício de proteção continuada da Loas, para o Atenção Integral à Família, o Agente Jovem, entre outros.
Foi tomada, à época, a decisão de unificar os programas de distribuição de renda pré-existentes sob o guarda-chuva do Bolsa Família, com atendimento ampliado e meta de chegar a 11 milhões de famílias no fim deste ano. Restavam os demais programas do ministério que, somados, consomem mais recursos do que o Bolsa Família. Em 2002, o Desenvolvimento Social recebeu R$ 6 bilhões; em 2003, foram R$ 8,5 bilhões; em 2004, os recursos saltaram para R$ 15 bilhões; em 2005, foram R$ 18 bilhões, e este ano serão de R$ 22 bilhões para todas as ações. Deste total, R$ 8, 3 bilhões são do Bolsa Família, ficando o restante, a maior parte, no Fundo Nacional de Assistência Social que apóia o sistema único.
Tal qual o SUS, o Sistema Único de Assistência Social classifica as ações em categorias de proteção. O Suas regula e organiza, em todo o país, em todos os Estados e 5.564 municípios, a rede de serviços de assistência social, tanto a realizada pelo poder público, como por entidades filantrópicas comunitárias. Assim, a assistência foi dividida em proteção social básica (equivalentes aos procedimentos feitos nas unidades básicas de saúde) e a proteção social especial (equivalente aos procedimentos de hospitais de referência, especializados).
A proteção básica, assim como na saúde, trata dos processos de prevenção, de acolhimento, de orientação das famílias; a proteção especial se responsabiliza por todo o atendimento a situações de risco e vulnerabilidade. "São os direitos já violados: o trabalho infantil, o abuso sexual, a população de rua", exemplifica Márcia.
Como os postos de saúde do SUS, na assistência social foram criados os Centros de Referência da Assistência Social (Cras). Já foram implantados 2.300 desses centros para a proteção básica. Indicando como se dá o funcionamento do sistema, Márcia afirma que o governo transfere recursos para os municípios, do fundo nacional de assistência para o fundo municipal, e dali são aplicados, por exemplo, em contratação de assistentes sociais, psicólogos, educadores, para a proteção básica.
Para a proteção especial, considerada mais complexa por causa do atendimento à população em situação de maior risco, foram criados os Centros de Referência de Especialidade de Assistência Social (Creas).
Por três dias, nesta semana, os coordenadores dos Cras de todo o país foram reunidos pelo Ministério do Desenvolvimento, em Brasília, para uma rodada de treinamento. Do início de implantação do Suas até agora, já foi aprovada a política nacional de assistência, 94% dos municípios (5.205) já se habilitaram a ingressar no sistema, está aprovada também a norma operacional básica, os recursos vêm sendo distribuídos de acordo com os planos de ação municipais e os critérios do sistema. "Há planejamento, metas, metodologias", cita Márcia Lopes, que por isto se incomoda com a confusão entre assistência social e assistencialismo. "Assistencialismo é um conceito pejorativo, de não reconhecimento do direito. Quando reconhecemos o direito e começamos a ampliar os serviços para todos terem acesso, não é favor, não é benemerência; é política de Estado, e é isso que nós vamos deixar aí para quem vier"
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