Apenas como registro:
Responsabilidade Política
Augusto de Franco
Folha de SP – 20.6.06 – pág. A3
Afinal ficou claro que o verdadeiro projeto lulo-petista para o Brasil era arrecadar ilegalmente os recursos necessários para ficar 20 anos no poder. As pessoas se escandalizam com a primeira parte desse projeto; o que me apavora é a segunda. Depois do que veio à tona, talvez o “governo-partido” no poder não consiga mais roubar tanto (e talvez nem precise, já que deu para usar os recursos públicos).
Mas, se alguma coisa mudou, foi apenas a meta financeira. O objetivo continua. E os meios – a formação de quadrilhas nos aparelhos estatais conquistados – também. Quer dizer: o projeto está de pé, simplesmente porque não foi desconstituído.
Uma estrutura de poder como a que o PT montou nos últimos dez anos no país não cai por si mesma. Tem de ser desbaratada. Não havendo quem se disponha a fazê-lo, ela continuará atuando.
O projeto de poder de Lula e do PT não trabalha por fora das instituições e sim por dentro. É um parasitismo da democracia. Enganam-se os que acham que vão surpreendê-los mais adiante numa tentativa de golpe de Estado. Sua via principal é a eleitoral. Tudo o que Lula e o PT fizeram tinha (e tem) como objetivo continuar ganhando as eleições, sucessivamente: por um lado, palanquismo-messiânico (do líder que se diz predestinado a salvar os pobres) regado com assistencialismo-clientelista e, de outro, conquista dos meios institucionais pela privatização partidária da esfera pública e pela alteração da lógica de funcionamento das instituições. Essa é a fórmula do neopopulismo lulista.
Como a oposição não se dispõe a interromper democraticamente a trajetória do governo corrupto, lançando mão dos mecanismos previstos na Constituição para situações como essas, terá de enfrentar o lulo-petismo em condições adversas: uma arena eleitoral viciada pela manipulação das massas e pela compra ilegal, direta e indireta, em grande escala, de cabos eleitorais e eleitores.
A manipulação vem sendo feita pelo eterno-candidato desde que assumiu o poder. Bilhões de reais do dinheiro público vêm sendo distribuídos aos mais pobres, sem exigência real de contrapartidas, numa versão moderna de clientelismo em que no lugar do coronel local figura o líder nacional, o companheiro-presidente. Já a compra de apoios e aliados vem se processando por meio dos vários tipos de mensalões. Só uma pequena parte desse esquema foi descoberta.
É claro que nada disso poderia ter sido feito sem as vistas grossas das oposições. Mas se, por um lado, as oposições são lenientes, por outro, também não se pode contar com a mobilização da sociedade em termos tradicionais.
As novas formas de expressão dos cidadãos, as maneiras pelas quais a nova sociedade civil se organiza na contemporaneidade, não são aquelas que conhecíamos: corporativas, reivindicativas e, não raro, aparelhadas para servir de correias de transmissão de grupos e partidos políticos.
Eis então do dilema: os velhos agentes militantes não querem, e inclusive já não podem mais, defender a democratização do Estado e da sociedade; os novos agentes não são propriamente militantes a serviço de um grupo ou seguidores de um líder, senão participantes voluntários, que se mobilizam em torno de uma causa. Não são manipuláveis e não podem ser comprados com mensalões nem com cargos ou candidaturas. Constituem a nossa melhor promessa de futuro, mas não podem ser usados para limpar a sujeira do passado.
Caminhamos assim, cabisbaixos, para o matadouro eleitoral, correndo o risco de ver consagrada a impunidade dos delinqüentes, o que aumentará a insegurança jurídica e jogará o país em uma crise institucional sem precedentes.
Sem oposição política e sem mobilização da sociedade, sobraram apenas aqueles setores empreendedores que têm motivos diretos para defender a liberdade de iniciativa e para se preocupar com a democracia e com o desenvolvimento. Se esses não começarem agora a exercer a sua responsabilidade política, depois tudo indica será muito tarde.
Recente pesquisa do Instituto Internacional de Desenvolvimento Empresarial (IMD) revela que sob o governo Lula o Brasil já despencou da 37ª para a 52ª posição no ranking das economias mais competitivas do mundo, está entre os países em que o governo mais atrapalha a atividade empresarial e em último lugar em relação à estrutura institucional, critério que mede a capacidade de gestão da máquina pública.
Imaginem aonde iremos parar com mais quatro anos de neopopulismo lulista.
Augusto de Franco, 55, é analista político do blog www.democracia.org.br e autor, entre outros livros, de “A Revolução do Local: Globalização, Glocalização, Localização” (2004). Foi membro do comitê-executivo do Conselho da Comunidade Solidária no governo FHC (1995-2002).
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