Recebi (eu recebo coisas de todo lado, da extrema esquerda aos grupos liberais mais libertários), de um desses revolucionários que acha que a revolução já está batendo na porta, e que só falta abrir para cair numa farra semelhante à da Comuna de Paris (1871) ou de Petrogrado (1917), uma carta aberta.
Transcrevo aqui, com pequenos comentários finais, mas creio que, havendo tempo, esse documento altamente surrealista mereceria alguma análise mais detida.
Não tenho nenhuma ilusão de que esse tipo de pessoal venha a mudar de idéia, mas é que sempre gosto de provocar gente que se anima a "pensar" (não sei se é o termo) e a escrever (eu também sou companheiro de viagem, pelo menos na arte da escrita).
Vejamos a brilhante peça revolucionária:
Carta aberta ao PSTU / favor divulgar
On 28/05/2006, at 23:29, sergio lessa wrote:
Carta aos camaradas do PSTU
Sergio Lessa
Não vivemos uma situação pré-revolucionária. Ao contrário, os inúmeros conflitos sociais dos nossos diais, são antes manifestações do caráter imanentemente conflituoso do capitalismo do que uma crise revolucionária que se aproxima. Por isso, as explosões e lutas mais intensas e explosivas que assistimos na América Latina e no resto do mundo tendem a soluções assimiláveis à sociedade burguesa e não à ruptura do sistema do capital. Argentina, Bolívia, Venezuela, Equador, França, etc., são exemplos do que nos referimos: neste período contra-revolucionário, a vitória do capital agudiza as contradições sociais e pode gerar graves e agudos conflitos. Estes, todavia, isolados, ainda não são capazes de romper o sistema do capital e são absorvidos, de um modo ou de outro, pelo próprio capitalismo. Esta situação pode se alterar mais ou menos rapidamente; todavia, até o momento não há qualquer indício que caminhamos para uma crise revolucionária – isto é, para a passagem do modo de produção capitalista para o modo de produção comunista (pois é este, e nenhum outro, o significado histórico da revolução hoje possível).
Nestas circunstâncias históricas, o acúmulo de forças revolucionárias ocorre de forma lenta e ao redor da propaganda (no sentido leniniano, muitas e aprofundadas idéias para poucas pessoas) dos objetivos estratégicos revolucionários: a plataforma máxima do comunismo. Se a experiência do século passado deveria ter ensinado algo aos revolucionários, é que sacrificar a teoria e a propaganda dos objetivos estratégicos em nome da ampliação da influência e do crescimento do número de militantes é um vitória de Pirro. O partido cresce e aumenta seu peso eleitoral, todavia ao custo de abrir mão de seu caráter revolucionário e de atrair para suas fileiras militantes cuja concepção de mundo é reformista.
Um século de tragédia da social-democracia e do stalinismo é mais do que suficiente para termos todos aprendido que na luta revolucionária não há atalhos e a via mais rápida ao crescimento é quase sempre, também, a via de menor resistência de integração ao sistema do capital. Por esta via chegou-se, inúmeras vezes, não à revolução, mas à conversão dos revolucionários em reformistas.
O que está ocorrendo com o PSTU?
Há já algum tempo o PSTU aderiu às ações afirmativas e definiu sua posição favorável à política de cotas. As cotas nada mais são que o racismo simétrico ao racismo dominante. O governo, por exemplo, destrói as escolas públicas dificultando o acesso dos trabalhadores à educação superior. A saída das cotas não é a reversão desta tendência pela reconstrução do ensino público e por uma política de acesso universal às universidades, mas o privilégio do acesso através de cotas de alguns trabalhadores negros (ou índios, ou amarelos, etc.). O que torna um trabalhador negro diferente de um trabalhador branco é apenas a cor da pele, e levemos isto em consideração na concessão de um "privilégio" (já que não há vagas para todos os trabalhadores) e nada mais teremos que o racismo.
Apoiar as cotas, além disso, é estimular a divisão dos, como dizem, "excluídos", pela cor da pele. Os indivíduos passam a se diferenciar pela raça, velando as oposições (estas sim fundamentais) das classes sociais!
Claro que os dirigentes PSTU sabem disso – estamos, aqui, chovendo no molhado. Contudo, o que fez o PSTU apoiar as cotas senão a idéia de que assim atrairia o movimento das minorias? E isto, de fato, é assim: atraiu para si os partidários da nova expressão do racismo, sempre conservador em sua essência, na mesma proporção em que diminuiu a sua capacidade de elevar a consciência dos trabalhadores também pela crítica certeira, precisa e honesta destes equívocos ideológicos. Ao apoiar as cotas, ficou o PSTU impossibilitado de ocupar a vanguarda na luta ideológica contra esta nova forma de conservadorismo que são as "ações afirmativas".
No segundo turno das eleições de 2002, o PSTU, para mim surpreendentemente, recomendou o voto em Lula. Depois de todas as corretas críticas que fez ao PT, sugerir o voto em Lula foi um contra-senso. E a justificativa (era um modo de atrair as forças à esquerda do PT) se revelou equivocada: quantos vieram ao PSTU como resultado desta tática? O resultado foi o inverso: Lula se fortaleceu politicamente porque até mesmo um partido de esquerda como o PSTU manifestou apoio a ele no momento decisivo do segundo turno.
Agora, no programa proposto para a Frente Classista com o PSOL e o PCB, defende o não pagamento da dívida "para os grandes credores”! Significaria isto que estaria ele reconhecendo a "legitimidade" da dívida do país para com os pequenos e médios burgueses?
Na luta de idéias, cabe aos revolucionários a expressão radical (isto é, pelas raízes) das contradições sociais. Quando não o fazemos, cedemos terreno à ideologia dominante. Queiramos ou não, a ambigüidade e a imprecisão sempre são favoráveis à ideologia burguesa.
Quais os equívocos da proposta de uma Frente Classista com o PSOL?
Pela sua gênese social e política, o PSOL só pode fazer uma crítica incompleta e superficial ao PT. No fundo, apostam que com as mesmas concepções mas com pessoas diferentes as coisas terão outro rumo. Mera ilusão! O problema decisivo da tragédia petista está em suas concepções ideológicas e no papel que tais idéias podem exercer no atual momento histórico. Lula, de líder metalúrgico apodreceu no parlamento; Heloisa Helena e o PSOL pretendem partir do Congresso Nacional para conquistar as massas. Da tragédia a uma ilusão que tem muito de farsa.
Imaginar que "impondo" uma "plataforma classista" e um vice à candidatura de Heloísa Helena seria o suficiente para alterar esta determinação de classe do PSOL é um equívoco. O PSOL apenas pode crescer na sombra da "traição da camarilha dirigente do PT", ele só pode existir enquanto "resgate do PT original". E, por isso, ao apoiar a candidatura Heloísa Helena (ainda que "condicionalmente") o PSTU de fato e na prática apóia o PSOL.
Por esta razão, a proposta de uma Frente Classista (que nos dias em que escrevo está naufragando pela opção à direita do PSOL), foi um enorme equívoco. Aproxima o PSTU ao reformismo sob a ilusão de que seria possível tensionar o reformismo do PSOL. E o PSOL em troca, só sai ganhando. Por um lado, porque recebeu o respaldo da autoridade conquistada pelo PSTU até agora na luta contra o sistema do capital. E, depois, porque conseguiu que o PSTU tivesse que maneirar as suas críticas ao reformismo do PSOL e, após abandonada a proposta de frente classista, que todas as críticas possam ser enfrentadas alegando-se ser a dor de cotovelo pelo PSTU ter perdido o posto de vice-presidente para a Consulta Popular.
Além do mais, quando a ruptura se tornar inevitável (e se tornará no curto prazo), e for forçoso tornar pública a denúncia do caráter "petista" do PSOL, como justificar esta proposta de uma frente "classista" com representantes de uma concepção que é, objetivamente, uma traição à revolução?
A proposta de frente classista foi um equívoco: serve mais ao reformismo que às forças revolucionárias.
O que fazer em 2006?
Há um argumento do PSTU contra o voto nulo nestas eleições que é correto: enquanto houver ilusões eleitorais entre os trabalhadores, as eleições serão fatos políticos importantes e delas devem participar os revolucionários.
Enquanto a burguesia tende a substituir a luta de classes pelas eleições e entende que a participação nas eleições tem que se dar por meio de candidatos, os revolucionários devem lutar para substituir as eleições pelas lutas de classe. Nesse contexto, "participar" deve fazer parte de uma estratégia revolucionária muito mais flexível que a estratégia burguesa. "Participar", neste caso, não pode se limitar ao lançamento de candidaturas e programas eleitorais.
Lançar candidatos – ou não --, não deve ser uma questão de princípio, mas mera questão tática. Se, em determinadas circunstâncias, lançar uma candidatura for importante, que assim seja feito. Ou, caso contrário, que não se lancem candidatos.
Vivemos uma conjuntura política muito favorável à propaganda comunista, provavelmente a mais favorável nas últimas décadas. A atual conformação do Estado brasileiro e a relação das facções das classes dominantes com ele torna muito difícil, no curto prazo, mascarar como no passado o seu caráter anti-popular, anti-nacional e anti-proletário. A absolvição da maior parte dos ladrões publicamente identificados e que roubaram dinheiro público para a corrupção eleitoral, as CPIs que se transformam em pizza, a evidência palmar que o dinheiro corrompe até mesmo um metalúrgico que deixou na prensa um de seus dedos (lembram-se como este argumento foi utilizado para incensar Lula em 2002?), cria uma disposição generalizada muito favorável a uma campanha nacional pelo voto nulo e uma agitação e propaganda de um novo país, como uma nova forma de organizar sua representação política: a forma comunal.
Hoje, fazer a agitação e propaganda ao redor de um novo Estado no qual os representantes eleitos sejam removíveis a qualquer instante pela base que os elegeu, que seus representantes sejam responsáveis pelas propostas e projetos que foram eleitos para defender e implementar, que os eleitos recebam o mesmo salário que um operário e, por fim, que a mesma assembléia que elege e decide seja também responsável pela implementação prática das decisões – enfim, a propaganda e agitação ao redor das características determinantes de um Estado de transição entre o capitalismo e o comunismo nos moldes da Comuna de Paris, possui potencialidades políticas que não deveriam ser desprezadas pelos revolucionários.
Vote nulo contra o Estado burguês! Por um Estado em que os representantes sejam responsáveis, removíveis, recebam o salário de um operário e que termine com a divisão entre o legislativo e o executivo: estas bandeiras, bem trabalhadas, poderão ajudar no acúmulo de forças revolucionárias no sentido e no rumo corretos, isto é, à esquerda.
É, neste sentido, uma oportunidade histórica de ouro. Temos liberdade política, podemos organizar publicamente a campanha, é possível associar a discussão mais aprofundada da transição ao socialismo com grupos menores de pessoas nas universidades, fábricas e sindicatos com pedágios públicos para arrecadar recursos para a campanha do voto nulo, assembléias nos bairros e nos sindicatos, manifestações, panfletagens e pichações. No melhor estilo de uma campanha política revolucionária.
Podemos, ainda, nos diferenciar claramente dos reformistas e fazer a crítica mais contundente ao PSOL retirando todas as lições da tragédia petista: organizar a sociedade para lutar no parlamento nada mais é que substituir a luta de classes pela disputa parlamentar. Em poucas palavras, significa travar a luta no terreno mais favorável ao inimigo de classe. E, tudo isso, com um apelo de massas que não teríamos no passado recente nem, talvez, tenhamos nos anos à frente.
O contrário disso (apoiar a frente "classista" com o PSOL ou lançar uma candidatura própria) fortalece as ilusões eleitorais sugerindo que, apesar de tudo, não há alternativa ao Parlamento no momento em que a "legitimidade" das eleições e dos "políticos" alcança seu nível mais baixo.
Em suma, os equívocos do PSTU nestas eleições estão em:
1) ter considerado a possibilidade de uma frente "classista" com o PSOL. Este é um partido essencialmente eleitoreiro, reformista e tem na proposta de "resgate" do PT sua proposta política essencial. Uma frente com o PSOL, hoje, seria não uma frente "classista", mas um rebaixamento da política revolucionária ao patamar da política reformista;
2) imaginar que o elogio ao PSOL contido no apoio de sua candidatura "natural" à presidência irá trazer militantes para o PSTU é mera ilusão: o mais provável é que ocorra o inverso, tal como no passado recente. Apenas a radicalidade na luta ideológica permite o acúmulo de forças revolucionárias;
3) considerar que "só podemos participar" das eleições por meio de candidatos e que o voto nulo significaria não participar do pleito deixando o espaço aberto à burguesia. Por este raciocínio, até chegar à revolução e as ilusões parlamentares das massas terem perdido espaço, teremos sempre que lançar candidatos, o que na prática transforma de tática em estratégia o lançamento de candidaturas nas eleições burguesas. Ledo engano: o voto nulo é uma forma de participação muito mais atrasada do ponto de vista revolucionário que o boicote. Mas, nas atuais circunstâncias, é um ato de protesto que pode envolver boa parte da sociedade e muitos dos trabalhadores contra o Estado burguês no que ele tem de politicamente essencial: representar o capital contra os trabalhadores, principalmente contra os proletários. Ao propor-se voto nulo não estamos propondo o boicote do pleito, pois não cometemos o equívoco de identificar participação ao lançamento de candidaturas;
4) perder uma oportunidade muito favorável à crítica do Estado burguês e do reformismo: nunca foi mais fácil a discussão de um Estado tipo comuna.
O PSTU tem dado mostras de combatividade revolucionária inquestionáveis. Tem se constituído, com méritos, na referência às lutas de esquerda em nosso país. Até hoje é dos raros partidos que podem se orgulhar de não terem cedido às ilusões parlamentares e reformistas. Não é hora (se é que existirá tal momento) de o PSTU pretender um atalho para ampliar sua presença política através de uma aproximação com os remanescentes históricos e herdeiros políticos da tragédia petista ou dos partidários das políticas afirmativas. Que o PSTU abandone o apoio às cotas, que volte a defender o não pagamento da totalidade da dívida nacional, que abandone esta concepção de que só podemos participar de eleições burguesas lançando candidatos.
Uma vez mais, como dizia Maiakovsky, "à esquerda, à esquerda, à esquerda"!
Voto Nulo! Viva a comuna!
maio de 2006
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Meu comentário, em mensdagem escrita ao camarada Sergio Lessa, no mesmo dia:
Rumores sobre a situacao "pré-revolucionária" e a próxima Comuna são grandemente exagerados e a consigna de voto nulo vai conseguir uma única coisa: eleger um corja ainda maior de bandidos para o parlamento.
Um pouco de discernimento não faria mal ao PSTU, por uma vez...
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Paulo Roberto de Almeida
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5 comentários:
E um pouco de formação política não faria mal ao senhor diplomata.
O seu comentário mostra um distanciamento muito grande com o que está sendo abordado na carta.
O professor Sergio Lessa disse que a situação hoje não é pré-revolucionário e não está próximo ao da Comuna de Paris, e não ao contrário.
Quanto a campanha do voto nulo, ele deixa claro que não se trata da salvação da colheita, mas uma forma de propaganda revolucionária. A corja de bandidos ao qual senhor se refere, é bandida justamente por que quem domina este Estado assim o quer (Quem você acha que tem mais influência junto ao Estado: Agronegócio ou agricultura camponesa? Empresas Automobilísticas ou metalúrgicos? Bancos internacionais ou bancários? ) políticos dóceis, comprometidos com a sua rendas e capitais.
Um político realmente comprometido costuma a receber tratamentos semelhantes ao que Allende, legalista ao extremo, que entrou no Estado pela vontade popular, e que foi sacrificado junto com 40 mil chilenos em prol dos interesses do capitalismo Ianque.
Propor voto nulo é começar convocar trabalhadoras e trabalhadores, o povo, para um novo tipo de sociabilidade. Uma mudança real, e não apostar a ficha em um possível político honesto que herderá compromissos que são contrário ao interesse popular, como o arrocho fiscal, reformas trabalhista, corte na educação e saúde, dentre outros.
Bem, que não teve dicernimento (ou comprometimento) em analisar o texto e o contexto evocado ao meu ver foi o senhor, caro diplomata.
Breno Modesto,
Falar que preciso de formação política é se colocar numa situação arrogante, como o dono da teoria, da doutrina, da palavra divina, ou revolucionária (o que dá no mesmo). Você precisaria corresponder ao nome e ser mais modesto com os outros, ou pelo menos não pretender que só você tem formação política.
Ciro Monteiro,
Igrejas revolucionárias são um fenômeno antigo, recorrente, reincidente, aborrecido. A gente sempre espera que as pessoas saiam das páginas dos panfletos e contemplem o mundo real.
Mas não se pode exigir lucidez de que prefere teorias ultrapassadas....
Paulo Roberto de Almeida
O prezado diplomata retruca: revolucionários ultrapassados vivendo uma nova Comuna!
Tranquilizo: não leste o texto do Prof. Lessa.
Pois nele diz justamente o contrário do que afirmaste, diplomata. Não, não vivemos uma comuna. Não, não estamos numa época pré-revolucionária (1a linha do texto).
Por fim, questiono quais são os novos teóricos? Habermas, Apel? Miséria filosófica, nada mais.
Recomendo, de início, Hegel, há bons comentários do prof. Tadeu Weber.
Fraterno abraço, um ano após,
Breno.
Breno,
Voce tem um grande futuro pela frente. Na Academia. Na academia, você pode fazer o que você quiser, e viver sua vida tranquila, sem cobranças, apenas pregando a revolução, e esperar que os alunos concordem com você. E eles vão concordar, pode acreditar.
Pena que a vida real seja um pouquinho diferente.
Mas isso não faz muita diferença, a academia aceita tudo...
Paulo Roberto de Almeida
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