terça-feira, outubro 09, 2007

253) Tres artigos dissonantes sobre neoliberalismo

Você també é um neoliberal?
Pois saiba que já não se sabe ao certo quem é ou quem não é, tantas são as contradições da política econômica, ou o descompasso entre o que se diz e o que se faz.
Abaixo, três amostras da confusão reinante no debate (??!!) sobre posições de política econômica:

(1) O economista Márcio Pochmann, atual presidente do IPEA, publicou um artigo que começa com a observação pertinente de que " o Brasil não está condenado à mediocridade, embora tenha recebido contribuições nesse sentido". A seguir, discorre
sobre o debate recente entre "mais Estado versus menos setor privado ou vice versa".

(2) O jornal O Estado de São Paulo comentou o artigo do Pochmann em duro editorial do domingo 7 de outubro de 2007.

(3) O ex-presidente do Banco Central e um dos principais teóricos dos economistas (neo) liberais brasileiros, Gustavo Franco, também participa do debate com um artigo bastante elucidativo das posições desta corrente. A esquerda merece aplausos, diz Gustavo, porque agora passou a citar Schumpeter - e " não está citando Gramsci, nem Rosa Luxemburgo, Hilferding, ou outro economista marxista esquecido, obsoleto e irrelevante".

Três artigos bem estruturados, que expõem com clareza as posições em debate sobre os caminhos do desenvolvimento brasileiro...

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(1) Economia pós-neoliberal
Marcio Pochmann
FSP, 4/10/2007

"O Brasil não está condenado à mediocridade, embora tenha recebido contribuições nesse sentido. A pequenez do pensamento neoliberal parece ser um bom exemplo disso, especialmente quando difunde a equivocada visão acerca da falsa disjuntiva entre mais Estado e menos setor privado ou vice-versa.
Como se sabe, a implementação dessa orientação no país não resultou numa economia maior, pelo contrário. O esvaziamento do Estado foi acompanhado pelo abandono da capacidade do país de planejar seu futuro, bem como pela contínua deterioração da infra-estrutura nacional, comprometedora da expansão do setor privado.
Veja-se, por exemplo, a trajetória apática dos investimentos. Lembre-se que um dos principais argumentos adotados na defesa da privatização do setor produtivo estatal durante a década de 1990 seria a ampliação, por conseqüência, dos investimentos no Brasil. Essa promessa do neoliberalismo, entre outras, terminou não sendo cumprida, mesmo com a transferência de 15% do Produto Interno Bruto do Estado para o setor privado.
Após a privatização, em 2002, a taxa de investimento atingiu a vergonhosa situação de 15,3% de todo o Produto Interno Bruto. Em outras palavras, a Formação Bruta de Capital Fixo da década de 1990 conseguiu ser ainda menor que a vigente nos anos 80, a chamada década perdida.
Essa concepção "hidráulica" acerca de menos Estado, mais setor privado, não contribuiu para o engrandecimento da economia nacional, apenas condenou o país a sucessão de apagões decorrentes da inépcia dos investimentos. Na realidade, assistiu-se a prevalência de uma asfixia do setor privado na dinâmica de curto prazo, simultânea à lógica de financeirização da riqueza e à desatualização de novos e sofisticados projetos de modernização e expansão econômico-financeira nacional. O
resultado disso tudo não poderia ser outro: a defasagem brasileira em relação ao conjunto do mundo.
Ademais, o desmanche do setor estatal não levou ao fortalecimento do setor privado nacional. O vazio deixado pelas estatais terminou sendo ocupado imediatamente pelas empresas transnacionais. Em 2006, por exemplo, as estatais respondiam por menos de uma a cada grupo de cinco grandes empresas que operavam no país, enquanto em 1990 eram responsáveis por mais de um quarto do total.
Nesse mesmo sentido, percebeu-se a evolução do enfraquecimento do capital privado nacional. Entre 1990 e 2006, por exemplo, o peso da empresa privada nacional no interior das grandes empresas em operação no país caiu 15%. Se aliada à participação do Estado na economia, constata-se que o capital transnacional, que era representado por menos de uma empresa a cada grupo de três grandes empresas no Brasil em 1990, aproximou-se de quase a metade na primeira metade da década de 2000.
Por conseqüência do esvaziamento do Estado na economia nacional, ocorreu o encolhimento do setor privado nacional sem que o capital transnacional tivesse capacidade de potencializar a ampliação do investimento produtivo, pedra angular do crescimento econômico sustentado. Diante da desaceleração e da contida taxa de investimento no Brasil, observa-se que o importante ingresso de mais de US$ 300 bilhões proporcionados pelos Investimentos Diretos do Exterior nos últimos 16 anos
não se mostrou suficiente nem mesmo para ocupar o espaço anteriormente preenchido pelas estatais e pelas empresas privadas nacionais.
Embora a internacionalização do parque produtivo nacional na década de 1990 somente possa ser comparável à abertura empresarial ocorrida durante o Plano de Metas de JK (1956-1960), não se observou, como naquela oportunidade, o engrandecimento do país. Aqui, evidentemente, não se trata de um posicionamento contrário ao capital transnacional, tampouco antagônico ao setor privado nacional, mas, pelo contrário, o reconhecimento a respeito da necessidade de recuperação do papel do Estado enquanto possibilidade de abandono da condenação à mediocridade imposta pelo pensamento neoliberal no Brasil.
Trata-se, em síntese, de preparar o país para a reorganização de sua economia nesse período pós-neoliberal. A prevalência de uma economia mista pressupõe a reinvenção do mercado, capaz de possibilitar a ampliação do setor privado (nacional e transnacional) com a revisão do papel do Estado.
Para isso, inclusive, o país precisa contar com a implantação de uma nova rodada de geração de empresas estatais. Nas décadas de 1950 e 1960, o país demonstrou maturidade política tanto para privatizar o que seria função do setor privado (setor automobilístico) como para fortalecer com recursos públicos o que deveria ser estratégico ao desenvolvimento nacional (elétrico, petróleo, telefonia, entre outros).
Nos dias de hoje, cabe repensar o que seria estratégico ao desenvolvimento nacional. O que foi privatizado terminou por cumprir o papel de uma época. Agora, precisa-se avançar e fortalecer os setores portadores de futuro, nos quais o país ainda segue distante. No curso da nova revolução tecnológica, em que se destacam a nanotecnologia, a biotecnologia, a nova matriz energética, os novos materiais, entre outros, o Brasil precisa se reposicionar. O tecnoglobalismo, como se sabe, é mais
uma promessa descumprida. Ou o Estado se recoloca como vem demonstrando com o PAC nos setores de infra-estrutura nacional, ou o país perde, novamente, uma oportunidade histórica de reduzir a distância que separa o que poderia ser em relação ao que realmente é."

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(2) A ARTE DE PLANEJAR O PASSADO
EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO, 7/10/2007

O Brasil precisa de "uma nova rodada de geração de empresas estatais", afirmou num artigo ominoso o recém-nomeado presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann. O texto seria apenas curioso como ilustrativo de uma mentalidade, se não fosse assinado por um dos escolhidos pelo governo para traçar o roteiro da economia nacional para os próximos 15 anos. Pochmann, professor da Unicamp, foi indicado para o cargo pelo então chefe da extinta Secretaria de Planejamento de Longo Prazo (Sealopra), Roberto Mangabeira Unger, recém-convertido em ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos. Nomeado para comandar um dos, até agora, mais respeitados centros de pesquisa e análise da economia brasileira, o professor acena com uma "reinvenção do mercado" a partir de uma redefinição do papel do Estado.
Seu artigo começa com uma crítica do período rotulado como neoliberal e marcado, segundo ele, pelo esvaziamento do Estado, pelo enfraquecimento do setor privado e pelo aumento da distância entre o Brasil e as economias mais avançadas. Nessa parte, as poucas observações pertinentes são soterradas por um gigantesco entulho de impropriedades. Nenhuma referência é feita ao trabalho de estabilização de uma economia desorganizada pela irresponsabilidade e pela inépcia de políticas auto-intituladas desenvolvimentistas.
Para começar, o setor privado não é hoje mais fraco do que antes da abertura econômica e da privatização. Ao contrário: as companhias aprovadas no teste da liberalização competem como nunca no mercado internacional e têm mostrado vigor apesar do câmbio valorizado. São tecnicamente modernas, fabricam produtos de nível internacional (porque a proteção é muito menor) e adaptaram-se à vida sem inflação.
Com raras exceções, as empresas privatizadas cresceram, modernizaram-se e várias conquistaram status de multinacionais. As siderúrgicas que formavam a catastrófica Siderbrás estão entre as mais eficientes do mundo e vêm criando bases de valor estratégico em vários países. A Vale do Rio Doce é a terceira empresa de mineração do mundo. A Embraer diversificou sua produção e compete em mais de um segmento da indústria aeronáutica.
Estrangeiras ganharam espaço principalmente na área de telecomunicações, com resultados espetaculares. Poderiam ter investido mais na eletricidade se, para essa área, ainda sob controle do governo, se houvesse traçado uma política menos preconceituosa. O problema, aí, não é a privatização, mas a indefinição do poder público.
Os investimentos ainda são insuficientes para as necessidades nacionais, mas não porque o setor privado se tenha tornado mais tímido. Também nesse caso os fatos desmentem o presidente do Ipea. É absurda a imputação da queda do investimento às privatizações. Em primeiro lugar, o governo pouco investe porque se recusa a conter o gasto corrente, cada vez mais pesado e mais improdutivo.
Em segundo lugar, o capital particular refreia sua participação na infra-estrutura e nos serviços de utilidade pública porque as autoridades, durante a gestão petista, foram incapazes de ampliar a cooperação entre o setor público e o privado, como mostram o atraso dos leilões de rodovias, a demora na implantação das Parcerias Público-Privadas e o emperramento do programa elétrico.
"Nas décadas de 1950 e 1960", escreveu o professor Pochmann, "o País demonstrou maturidade política tanto para privatizar o que seria função do setor privado (setor automobilístico) quanto para fortalecer com recursos públicos o que deveria ser estratégico ao desenvolvimento (sic) nacional (elétrico, petróleo, telefonia, entre outros)"" Ora, o setor automobilístico não foi privatizado, simplesmente porque nunca foi estatal. Foi criado no governo Juscelino com empresas trazidas de fora.
Se o longo prazo for planejado com base nessa percepção do passado, os brasileiros correrão o risco de ver a história repetir-se não como farsa,mas como tragicomédia.
A criação da efêmera Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, para acomodar um companheiro de partido do vice-presidente, já foi uma farsa. A subordinação do Ipea a essa Secretaria foi um erro que poderá custar caro ao País. O presidente da República teria feito um bem ao Brasil se referendasse a liquidação da Sealopra pelo Senado e devolvesse o Ipea ao Ministério do Planejamento.

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(3) A inovação que faz falta ao governo
Gustavo Franco)
Época n. 490, 8/10/2007

O economista fala sobre as inovações que fazem falta ao governo atual

Na semana que passou, o presidente Lula nos explicou o que significa "choque de gestão", a ministra Dilma reabilitou o "empresário schumpeteriano" e a bolsa de valores no dia seguinte subiu, parecendo ignorar a suposta crise das hipotecas americanas e oferecendo uma indicação de que as referidas autoridades estão cobertas de razão, ou então de que essas idéias -- erradas ou muito erradas -- não têm mesmo a menor importância.
As palavras e os conceitos parecem vítimas inocentes de balas perdidas de um debate ideológico já terminado. O capitalismo venceu, e o socialismo foi uma catástrofe, ao contrário do que dizem os livros didáticos que o governo distribui. Talvez por isso se diga que, no Brasil, a História é lenta. As autoridades parecem sempre se equilibrar entre um passado idealizado, um "futuro do pretérito" e um presente de onde não podem escapar.
O presidente e a ministra não defendem as idéias perdedoras, descontadas lambugens atiradas na direção de uma angustiada militância. Pelo contrário, alinham-se ao "choque de gestão", à eficiência da máquina pública, ao capitalismo e às empresas. E contra essa bobagem de reestatizar a Vale do Rio Doce.
Pode haver certo contorcionismo retórico nessas manifestações, como as imortalizadas pelo Grande Irmão no 1984 orwelliano, onde o dicionário também trabalhava para o governo. Com efeito, o significado das palavras tem a ver com os usos e costumes do passado. Mas, como a história começou em 2003, o dicionário vai sendo refeito.
O verbete clientelismo, por exemplo, caiu em desuso, de tal sorte que todos os atos antigamente pertinentes a essa acepção passam a ser designados, a partir desta semana, como "choque de gestão". Quem lê apenas as manchetes verá que o presidente é pelo "choque de gestão" e está, por conseguinte, a favor dos ventos neoliberais globalizantes.
No assunto do empresário "schumpeteriano", saiba o leitor que a ministra alude a Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), célebre economista austríaco, ex-ministro das Finanças de seu país durante a hiperinflação (1919-1920), depois professor na Alemanha e emigrado para Harvard, onde se estabeleceu em 1932. Notabilizou-se pelo estudo da inovação como mola mestra do capitalismo.
A ministra merece aplausos, pois não está citando Gramsci, nem Rosa Luxemburgo, Hilferding, ou outro economista marxista esquecido, obsoleto e irrelevante. Candidamente, ela reconhece:
"Não é simples ter uma burguesia nacional."
Empresários o Brasil tem. Só é preciso que haja reformas que melhorem o clima para os negócios. É louvável o genuíno empenho em compreender o admirável mundo novo, embora com as ferramentas erradas. Schumpeter é um bom começo, embora haja um bom par de coisas a observar sobre o "muso" da área de História do Negócio da Harvard Business School, o pior dos antros formadores de quadros para o capitalismo globalizante.
A primeira é que a inovação vem principalmente por meio de reformas que alteram aspectos institucionais importantes da vida econômica. Não está faltando empresário schumpeteriano no Brasil, mas governo inovador que implemente reformas para melhorar o clima de negócios, onde nossa posição nos "rankings" internacionais só faz piorar.
A segunda é mais básica e, com algum exagero, proposital: não existe mais burguesia. Quem tem os "meios de produção" são os fundos de pensão, expressão fiduciária da classe operária. O empreendedor inovador se institucionalizou em divisões de pesquisa e desenvolvimento e tem o apoio da indústria do capital de risco. Não vamos esquecer uma lição do próprio Marx: o capital não é uma pessoa, é uma relação social, tal qual o "empresário schumpeteriano". Ao personalizar essa figura, corremos o risco de criar o "empresário chapa branca", uma distorção que está para a inovação assim como o clientelismo está para o "choque de gestão".

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