Um texto que tenta discernir as fontes do pensamento e a natureza do suposto "socialismo" do presidente da Venezuela, por um especialista da Costa Rica.
Venezuela: Chávez e o socialismo “sincrético”
por Destaque Internacional, Costa Rica, em 15 de dezembro de 2006
Resumo: Chávez não é mais que um instrumento a serviço do socialismo “sincrético”, que é uma mescla contraditória e ambígua de religião, de anarquismo, de indigenismo, pós-gramscismo e de comunismo.
O presidente reeleito da Venezuela, Hugo Chávez, em seu primeiro discurso depois de anunciados os resultados eleitorais de 3 de dezembro pp., estabeleceu a meta de seu novo mandato ao tempo em que deixou entrever os obstáculos que deverá enfrentar para alcançá-la. A meta de Chávez será o “aprofundamento” da “via venezuelana para o socialismo” e esta se justificaria, segundo o presidente venezuelano, pelo fato de que a Venezuela seria compactamente “vermelha, vermelhinha”.
Não obstante, na continuação, sugeriu em tom cauteloso e conciliador que “ninguém tenha medo do socialismo”, porque “o socialismo é humano, o socialismo é amor”. Se a Venezuela fosse totalmente “vermelha, vermelhinha” como o presidente reeleito se encarregou de proclamar, nenhum venezuelano deveria temer o socialismo e o presidente não teria tido necessidade de tranqüilizar os venezuelanos alegando o suposto lado “humano” e de “amor” do socialismo. Na realidade, a verdade histórica sobre as alegadas “bondades” do socialismo é outra, e para isso basta olhar para Cuba comunista, tão admirada por Chávez.
O presidente venezuelano está usando uma demagógica e multimilionária política assistencialista, valendo-se dos gigantescos recursos petrolíferos do Estado venezuelano. Além disso, somado aos mecanismos de controle dos meios de imprensa que lhe permitiram ter uma exposição televisiva 20 vezes maior que o candidato derrotado nas últimas eleições, permitiram-lhe arrastar uma parte considerável das camadas mais humildes. Porém, nem sequer isto seria possível se Chávez manifestasse abertamente uma meta comunista.
Por isso, o presidente venezuelano recorreu a um socialismo “sincrético”, cheio de ambigüidades e de elementos contraditórios que incluem desde invocações a Jesus Cristo, a Virgem de Chiquinquirá e São Miguel Arcanjo, passando por sua apologia do indegenismo e da teologia da libertação, com suas conseqüentes afirmações de que o “reino de Deus” se identificaria com o socialismo, mesclando ingredientes pós-gramscianos e das teorias do caos, tomados do Fórum Social Mundial (FSM) e condimentando o anterior com elogios estridentes ao sanguinário ditador Castro e à revolução cubana.
O socialismo “sincrético” chavista deixa para trás o racionalismo exacerbado que caracterizou o socialismo chamado “científico” e que desabou como categoria de pensamento junto com a derrubada da Cortina de Ferro. Vive-se uma época histórica marcada, cada vez mais, pelo que se denominou “pensamento fraco”, que deixa de lado as relações de causa e efeito, assim como a própria lógica. Neste contexto, a fórmula chavista de socialismo “sincrético” tem demonstrado uma capacidade de atrelamento que não se pode subestimar, na Venezuela e em outros países como a Bolívia, o Equador e a Nicarágua, onde candidatos que aplicaram as mesmas estratégias “sincréticas” chegaram ao poder por meio do sufrágio.
Não obstante o que foi dito anteriormente, Chávez, mesmo que venha a ser apresentado como o sucessor de Fidel Castro, não é o elemento mais importante do panorama. O próprio presidente venezuelano não é mais que um instrumento a serviço desse socialismo “sincrético” que, como já se disse, constitui uma mescla contraditória e ambígua de religião, de anarquismo, de indigenismo, de estratégias pós-gramscianas do Fórum Social Mundial (FSM) e de comunismo. O teórico anarquista norte-americano Michael Hardt, que junto com o italiano Toni Negri escreveu a obra “Império”, livro de cabeceira das novas gerações revolucionárias, encarregou-se de esclarecê-lo por ocasião do Fórum Social Mundial (FSM) realizado em Caracas em 2006.
Hardt mostrou um enorme interesse nos experimentos de des-organização social, com as características auto-gestionárias e anárquicas, quase se diria de pequenas tribos urbanas que se desenvolvem nas populações periféricas de Caracas. O mencionado teórico anarquista explicou, nesse sentido, que “Chávez é algo que se conhece, um inimigo dos norte-americanos, como Castro ou os sandinistas” e que, por sua visibilidade, acabará se desgastando da mesma maneira como se desgasta um pugilista à medida que recebe golpes. Por outro lado, explica Hardt, os novos movimentos auto-gestionários, como os das periferias de Caracas, teriam a vantagem de ser como “vírus incontroláveis”, “difíceis de ser identificados” e capazes de “passar através das fronteiras”, com o qual passariam a ser as grandes armas “anti-imperialistas”, mais do que Chávez, Morales, Ortega e Lula.
Dificilmente se compreenderá as complexidades do atual panorama latino-americano, assim como recentes fenômenos de manipulação de setores hispânicos dos Estados Unidos, se não se levar em consideração as novas estratégias revolucionárias “sincréticas”, com sua estratégia de expansão de “vírus” difíceis de ser identificados e neutralizados, em curso na Venezuela e em outros países da região.
Publicado por Destaque Internacional – Informes de Conjuntura – Ano IX – nº 203 – São José da Costa Rica 09 de dezembro de 2006 – Responsável : Javier González.
Tradução: Graça Salgueiro
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